Em um dos meus ataques de Marie Kondo, me livrei de muitas agendas, diários e cadernos. Escrevo desde criança, então imagine o que havia guardado nesses quarenta anos. É libertador, libera espaço e funciona como uma vacina. Uma vez que fazemos isso, criamos resistência e estamos prontos para o próximo ritual de morte e renascimento de nós mesmos.
Porém, o que não foi tão proveitoso foi achar que deveria parar de escrever para não acumular diários. Misturei o ato da escrita com a presença física de um objeto que contém os escritos. E para não ter páginas e mais páginas acumuladas na minha casa já sem espaço, parei de exercitar uma das técnicas mais antigas de terapia que tanto me faz bem.
O único espaço em que continuei escrevendo é este, o blog. Inclusive, na parte “Sobre” da Casa Baunilha, onde me apresento, descrevo a importância que a escrita tem na minha vida como uma forma de me organizar como ser humano e de evoluir. Ser alfabetizado é um presente e temos que aproveitá-lo como um aliado também para o nosso bem viver.
Só que aqui no blog escrevo sobre algumas coisas, não todas, e procuro trazer algo que possa ser útil para as pessoas. Ou seja, tem um recorte e uma maneira de conduzir os assuntos.
E o simples ato de escrever, de colocar para fora o que se passa dentro – e fora – e consultar tempos depois, é uma baita ferramenta de autoconhecimento. Entretanto, não precisamos morar com todas as cadernetas que já preenchemos na vida. De tempos em tempos, faz-se necessário o ritual de deixar ir: uma bela fogueira, os cães em volta, um chazinho de cidreira, ouvindo o estalar do fogo enquanto processa sentimentos de gratidão pelo que foi experimentado, absorvido, aprendido e incorporado para melhorar o viver.
Pois foi bem quando eu retomava a escrita como processo terapêutico – com o caderno da noite, em que anoto o meu comportamento e reações, para verificar se estão dentro do que eu gostaria, de acordo com os meus estudos sobre Filosofia – que encontrei o vídeo do canal Literapia – ou o vídeo me encontrou – da querida Laura Louise, em que sugere 33 ideias para preencher cadernos.
E assim o horizonte se abriu um pouco mais. Percebi a importância de organizar os assuntos, cada um no seu quadrado, no seu caderno. Eu já mantenho alguns cadernos como o da cerâmica e o do plantio orgânico. Só que o resto dos assuntos eu anotava misturados ou até mesmo em folhas soltas. Como o nome já diz, a folha solta fica solta. Tem vida própria e é bem difícil de localizar. Deixo recado na caixa de mensagem mas a folha solta nunca retorna.
Então fui me organizando e separando cadernos conforme as necessidades. Tenho um dedicado ao jardim de casa, a nossa quarta pele (temos a pele, a roupa, a casa e o entorno da casa, a quarta). Nele, anoto as plantas que moram no jardim, as características, como elas reagem aos espaços onde foram plantadas e como a natureza vai se modificando com o passar das estações. Ideias para alterar o jardim, pequenas reformas, os milímetros de chuva marcados no pluviômetro que instalei, entre tantos outros aspectos. É um xodó de caderno.
Tenho um caderno apenas para ideias. Qualquer ideia que surja. Seja de um empreendimento, de uma atividade que eu possa realizar, um projeto para a minha comunidade, para o reaproveitamento de um móvel antigo. Da mesma forma, tenho um caderno de ideias para o sítio, pois se trata de um universo à parte, com muitas camadas, espaços e projetos. E claro que tenho o caderno das plantas e árvores do sítio. Um inventário dos habitantes e dos seus desenvolvimentos.
O caderno que eliminou uma quantidade infindável de papeizinhos soltos foi o de frases preferidas. Podem ser as que surgem ou tiradas de leituras que faço. Tenho uma pasta no Pinterest com frases mas não quero ter que passar por todas as notificações do WhatsApp primeiro para, finalmente, chegar ao Pinterest e só então ficar inspirada. Isso se eu não esquecer o que ia fazer ao pegar o celular. Consultar uma tela pra tudo é o caminho mais rápido para a procrastinação e a perda de tempo de vida.
Também separei um caderno de textos para o blog. Por incrível que pareça, eu não tinha um dedicado a isso. Escrevia nas famigeradas folhas soltas, em papeis dando sopa, nos blocos que estivessem à mão ou diretamente no computador. É bom canalizar os insights para o mesmo lugar pois as ideias e os textos amadurecem, além de percebermos que alguns se conectam.
Outro caderno que considero importante é o dos sonhos, essa vida que a gente vive enquanto dorme, que nos diz tanto e que ignoramos quase que por completo. É importante anotar o que aconteceu de forma crua, sem interpretações, qualificadores e julgamentos, porque às vezes não sabemos de imediato o que tal signo ou acontecimento representa no sonho. O tempo e a vida desperta poderão trazer respostas.
Separei um caderno para as coisas que tenho na vida e pelas quais sou grata. Para deixar de cultuar o que falta, como diz a Laura, e prolongar a valorização das bênçãos que já se tem. É crucial para qualquer ser humano que tente sobreviver hoje perceber o quanto já tem.
Também criei um pequeno caderno de palavras. Eu as coleciono. As desconhecidas que encontro em livros, as sumidas que ouço dos radialistas veteranos – tenho mania de ouvir rádio. Vou anotando as palavras interessantes, diferentes, esquisitas, bonitas, “novas”. A Língua Portuguesa é um patrimônio imaterial que materializo fácil. E crio uma origem humorística das palavras. Maiúsculo, por exemplo, é a junção de ‘Maio’ com ‘músculo’.
Um caderno que considerei interessante é o de elogios. Porque a pessoa que mais me critica é essa que vos fala. Por isso sinto a necessidade de marcar no papel alguns momentos positivos. Às vezes, recebo retornos tão bacanas das pessoas que são rapidamente abafados pelo próximo desafio, pela próxima autocrítica. Por isso os elogios precisam de um lugar para morar onde eu possa visitá-los e apreciá-los por mais tempo.
Meu marido, que adora costurar o humor nas situações, sugeriu um caderno de reclamações. Ele argumentou que reclamo muito e daí posso jogar todas as reclamações ali. Dei razão, ao mesmo tempo em que reclamei dele falar que reclamo. Mas não é que achei um caderno maravilhoso para terapia? Primeiro, porque haverá a exaustão de ter que escrever à mão sempre que quisermos reclamar, o que trará à tona o quanto reclamamos. Segundo, porque ficará evidente que muitas das reclamações vêm de situações sobre as quais não temos controle. Ou seja, que reclamamos em vão. E terceiro, com o tempo, em futuras consultas, veremos o quanto amadurecemos: – O quê? Eu reclamava disso? Isso era uma questão pra mim? Nossa!
A outra ideia que o marido sugeriu é a do caderno da procrastinação, que poderia ser chamado de Rastreador de Perda de Tempo. Também achei interessante porque ao final do dia tomamos nota de duas situações: do que queríamos ter feito e não realizamos, e das atividades que roubaram o nosso tempo. Da consciência sobre o paradeiro do nosso tempo de vida nasce um plano para o dia seguinte, para não repetir as ações empacadoras de projetos. Em vez das usuais listas do que temos que fazer, cria-se uma lista do que não deveríamos ter feito.
Alguns cadernos podem abraçar temas variados para evitar muitos cadernos separados. É econômico e útil na medida em que traz uma visão ampla sobre um tema guarda-chuva. Esse é o caso da Mandala Lunar. Ela também pode abraçar o diário dos acontecimentos do dia, o diário da saúde (sintomas, exames), o diário alimentar, a Roda do Ano, o caderno dos sonhos, o caderno de consultas ao oráculo, entre outros assuntos do eu sensível.
Quem tem bichos de estimação pode registrar em um caderninho o que acontece com eles, como um diário de saúde e comportamento. Ajuda na hora da consulta veterinária saber quando o seu cão começou a perder peso por causa da idade avançada, entre outros sinais que merecem atenção.
Esse caderno para os pets me trouxe a ideia de um outro, um inventário dos bichos pelos quais a gente deveria ter mais estima ainda. A Ana Primavesi, autoridade no assunto “solo vivo”, dizia que os bichos que vivem debaixo do solo são os verdadeiros animais de estimação, porque eles nos alimentam. Maravilhosa que só ela. Pois pensei em fazer um caderno tomando nota dos animaizinhos que encontro quando mexo no solo, do jardim, das caixas de horta, além dos polinizadores e outros que se exibem mais na superfície. Já contabilizei duas cobras-cegas enquanto capinava um dos cantos do pátio. É fascinante vê-las perfurarem a terra como se fosse manteiga e verificar as galerias que constroem e que logo serão ocupadas por pequenos animais e raízes. Esses afofadores e nutridores de solo merecem um caderninho.
Voltando ao vídeo da Laura, adorei que ela fala de um aspecto que discutimos bastante aqui em casa, que é a exigência do profissionalismo e da excelência em todos os campos da vida de um ser humano, até para desenhar. A gente está lá na escola, bem belos desenhando bonecos-palito, quando chega uma mão invisível que diz: – Pare, jovem, você não pode prosseguir. Como assim? A gente pode e deve desenhar. O que quiser, o que vier e quando der na telha. Um caderno de desenhos para “quem não desenha” pode ser libertador e terapêutico num grau que a Nasa ainda não conseguiu averiguar.
São tantas ideias legais para exercitarmos os traços da escrita e do desenho. Essas são apenas algumas que tenho e que compartilho, mas você pode e deve fazer um levantamento de acordo com as suas necessidades.
Escrever à mão é tão bonito e quanto mais fazemos, mais a letra vai tomando corpo, nos representando. Sem contar os benefícios para a formação e a absorção do conhecimento. Quando usamos muito do nosso tempo de vida de forma passiva, como ficar salvando imagens e postagens para o depois (que nunca chega), esse tempo não volta mais e perdemos a chance de realizar algo substancial na vida. Já o ato de escrever, essa ação, esse esforço que temos que fazer para fixar histórias no papel, é importante para o nosso desenvolvimento. Nos tornamos atores da nossa vida, ativos, atuantes. As informações não passam simplesmente por nós. Há um esforço sobre elas e isso ajuda no processo do conhecimento e do autoconhecimento.
Desperte uma nova rotina escrevendo ; )
Agora quero saber de ti. Costuma escrever? Já tinha organizado as ideias em caderninhos dedicados a diferentes assuntos? Tem alguma ideia diferente de caderno que queira compartilhar? Escreve aqui nos comentários que vou adorar ler ; )
Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.