Crônicas,  Vida e Carreira

Um produto é um produto. Sobre carnaval, consumo e consciência

 

Uma amiga estava decepcionada porque “teria de poluir” o planeta para pular o carnaval brilhosa, pois os glitters ecológicos estão muito caros. Ela tinha pesquisado e, avaliando as poucas ofertas no mercado, não conseguiria bancar. Daí, tentando consolar minha amiga, eu disse “tudo bem, tu vai usar um pouquinho só, tem gente que praticamente se deita em banheira de glitter antes de sair de casa. E também tem outra”, segui dizendo, “tu tem tantas atitudes não poluentes que eu sei que tu faz. Elas só não estão registadas e disseminadas no Instagram, só isso”. O que fez ela se dar conta que nunca foi uma pessoa do glitter efetivamente. Ela sempre preferiu colocar uma fantasia e caprichar na maquiagem. E só começou a cogitar usar o produto depois de ficar exposta a tantas imagens lindas de foliões felizes, cobertos com glitter ecofriendly.

Então, a partir disso, comecei a pensar que uma parte do movimento lixo zero vem atrelada, sim, ao consumo. A indústria do lixo zero way of life atua da mesma forma que a indústria tradicional, fazendo a gente consumir esses produtos para nos sentirmos parte, nos fazendo achar que estamos por fora se não temos, nos induzindo à compra de produtos que talvez não consumíssemos nem na versão tradicional. A indústria de um modo geral, seja ela de que bandeira for, trabalha com o desejo das pessoas, com o status social, com o sentimento de pertencimento.

Prova disso é que há uma série de atitudes amigas do planeta que não são louvadas porque não estão atreladas a produtos. Pessoas que optam por não ter filhos – seja lá pelo motivo que for e só cabe a elas – e que, por consequência, não estão poluindo nem extraindo recursos do planeta, não são ovacionadas, postadas, entrevistadas, vestidas por grandes estilistas e premiadas porque não há produtos atrelados a elas. Não existe Ei, você, que não tem filhos, compre o maravilhoso…”. Não há.

Outro exemplo: pessoas que não usam qualquer tipo de canudo também não são destaque nas mídias. Porque bom para o planeta, mesmo, é não comprar o de plástico, nem o de vidro, nem o de inox, nem o de papel. O legal é não consumir. Os canudos de vidro, de inox e de papel precisam de indústrias, também, para serem produzidos, o que polui. Precisam de transporte para chegar até o consumidor, o que polui. E de embalagens, vide os pacotes que chegam após a compra pela internet, o que polui – não somente o “jogar a caixa fora”, mas também o produzir a caixa de papelão, que também precisa de uma indústria para isso e transporte para chegar a quem precisar empacotar coisas. Ufa. Mas o discurso que vemos sendo disseminado é que o legal é comprar os canudos específicos e não não comprar canudo algum.

Quando se trata de lixo zero, de ecofriendly, de vegano e uma série de outros rótulos preocupados com a vida no planeta, é preciso olhar para toda a cadeia produtiva do negócio, e não somente para o produto final e para a foto no Instagram.

Eu não uso canudo há muitos anos, quando ninguém pensava que poderia ser ruim para a tartaruga ou seja lá como o movimento do canudo começou. Eu lembro até de ter publicado, numa rede social onde já não estou ativa há muitos anos, uma frase do Mario Quintana que dizia que ele dispensava padres e canudos pois o bom mesmo era a comunicação direta, já manifestando meu desinteresse pelos canudos. Que começou, eu lembro, por não gostar dos atendentes pegando o canudo com as mãos sujas e colocando no suco. E também por questionar a razão de se usar mesmo. Por que não encosto minha boca direto no copo? O copo foi feito justamente para que encostemos nele e na bebida. Não estou doente nem nada para precisar usar um canudo (quem nunca ficou gripado, com dor de garganta a ponto de não conseguir abrir a boca para tomar um gole d’água? Há invenções que servem apenas para determinadas situações e, nesse caso, sim, use o canudo ecológico). E, ainda, quando via os canudos embalados um a um, fosse com papel ou plástico, achava um exagero de lixo gerado só por causa de um canudo. Então tinha a questão de que eu não estava inválida a ponto de não conseguir tomar direto do copo, tinha a questão da higiene, de ser mais um item para as pessoas manipularem num ambiente de refeições e tinha a questão do lixo. Por tudo isso dei um basta e sempre dispensava o canudo.

Quando me dei conta, uma onda de “chega de canudo” começa – e que bom! – indo parar até no legislativo (para, na sequência, o Rio inventar a pinça de pipoca, de plástico). Só que junto disso, uma outra onda de gente consumindo canudos de todo tipo, mais para postar no Instagram e se sentir pertencente a um movimento do que qualquer outra coisa.

Cotonete. Cadê as pessoas que não usam? Nunca usei cotonete. Limpo a orelha com pano. Acho um absurdo usar uma haste de plástico por segundos e logo descartar. Fora que podemos nos machucar enfiando aquilo no ouvido. Tudo invenção da indústria para fazer você comprar mais e mais coisas. Agora há cotonetes feitos de haste de papel. O que é ótimo mas, se você não usa cotonete nunca, não precisa comprar nem estes. Entendeu onde quero chegar?

É maravilhoso esse movimento de tomada de consciência que estamos tendo com relação à vida, aos recursos do mundo, finitos, e descobrindo novos jeitos de viver. Que alívio poder saber que há produtos alternativos, menos nocivos ao planeta, sendo desenvolvidos, para quando for realmente necessário o uso. Mas no meu ponto de vista atual – porque a gente deve estar sempre refletindo sobre as coisas e atento quando temos de mudar nossos conceitos –, essa mudança precisa acontecer muito mais no nível da consciência do que apenas na substituição, ou no consumo de um produto a mais que talvez você nem comprasse normalmente.

Eu ainda uso algumas coisas que não estão de acordo com a política ecológica atual, até porque ou ainda não foram substituídas, ou porque a nova versão não se encontra fácil ou custa caro, ou em razão de aspectos específicos, prefiro as versões tradicionais mesmo. Por outro lado, tenho outras atitudes que não deixam rastro no planeta. Assim como o pessoal que não usa sacolinha de plástico e que, por outro lado, voa de avião na férias. A vida é complicada e, mesmo tentando viver em equilíbrio, nem tanto ao céu e nem tanto à terra, não é fácil. Ainda bem que há, apesar da continuidade do consumo, este movimento de consciência sobre nossas escolhas, que nos faz pensar, mudar e melhorar cada vez mais, conscientemente!

Precisamos ter consciência que um produto é um produto, seja lá como ele foi feito, do que foi feito e por quem. Haverá sempre a produção, o escoamento, a venda, o consumo e o pós-consumo. Então precisamos ir com calma quando o desejo de pertencer e parecer se torna mais forte do que o propósito e a adequação no nosso jeito de levar a vida.

 

PS: O Brasil enfrenta um problema muito sério (ao lado de centenas de outros) que é o da interpretação de texto. As pessoas estão cada vez mais com dificuldade de entender o que um texto quer dizer. Eu me preocupo com isso e queria colocar, a quem tenha entendido errado, que este não é um texto que ataca a indústria, o empresário ou as marcas, sejam eles ecofriendly ou não. As empresas e o modelo de sociedade econômica em que vivemos precisam existir para que a gente não tenha que parar a nossa vida para produzirmos nossos smartphones, por exemplo. O que levaria mais do que a nossa própria existência e o resultado ainda seria, no mínimo, tosco. Nós precisamos que a indústria se ocupe em produzir nossos celulares, nossas moradias e os aviões para que a gente possa focar energia e tempo no nosso próprio desenvolvimento, para sermos produtivos naquilo em que somos bons, nas nossas aptidões, trabalhos, missões, vocações – seja lá que nome você dá. Este texto fala de atitudes de consumo em prol da vida na Terra e da consciência que devemos ter para além das aparências. Obrigada por ler e por tentar compreender.

 

Foto e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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