Crônicas,  Vida e Carreira

Não tenho saudades

Se há uma situação que, devido ao distanciamento social, não estou tendo mais que enfrentar é cumprimentar alguns homens e sentir a mão deles descendo até a cintura para conferir se sou magra ou não – ou se estou magra ou não, para os que já me conhecem.

Alguns homens acham que a gente é ingênua e que jamais perceberemos uma manobra dessas. Ou pior, eles pensam que são malandros e que mulheres não entendem de malandragem. Na verdade, muitos deles esquecem que somos seres que evoluíram ao longo de milhares de anos para percebermos o ambiente ao redor. Por exemplo, temos uma super audição que serve para identificarmos o choro do nosso bebê mesmo durante um bombardeio ou durante as duas horas de panelaço transmitidas pelo Jornal Nacional. Nossa visão voltada para os detalhes também evoluiu dessa forma, assim como a noção espacial dos homens, uma vez que tinham de viver com os olhos focados na caça. A evolução do ser feminino transcende o mundo físico e atinge, também, o sensitivo. Em fiapos de segundos nós escaneamos o ambiente ao nosso redor e os seres que nele habitam. Sabe quando você apresenta um colega de trabalho para a sua esposa e no minuto seguinte ela se vira e diz “não confio nele”? É disso que estou falando.

Mas, convenhamos, para perceber as intenções de uma mão que apalpa uma cintura cuja intimidade não existe não se faz necessário milhares de anos de evolução, basta estar com as faculdades mentais em ordem. Então não se pode esperar menos do que isso de um ser com poderes quase sobrenaturais.

Veja bem, não generalizo. É notório que há homens de bem. Generalizar: jamais.

Mas voltando ao tempo antes da pandemia, tinha estabelecido que na próxima vez que um homem fizesse isso, eu também colocaria a mão sobre a cintura/abdômen dele, respondendo eu tô bem, e tu? Isso poderia enaltecer uma barriguinha de chope, talvez. Contei sobre o plano ao meu marido. Caso visse uma cena bizarra dessas, já estaria avisado e autorizado a fingir que não me conhecia.

Mas tenho de encarar o fato “de frente” – porque de costas não há como, como diria minha professora de Português do pré-vestibular, há cem anos –: meu plano está fadado ao fracasso, uma vez que muitos homens não estão nem aí para a própria forma física, ao contrário das mulheres, e ainda são capazes de gostarem que os apalpemos.

Então chego à conclusão de que não há outra alternativa a não ser o climão. A mão dele vai descer e: ou eu vou tirá-la da minha cintura com minhas próprias mãos, ou eu vou dizer tira a mão da minha cintura, ambas as reações gerando um constrangimento durante todo o churrasco. Pior ainda se a mulher dele vir tudo. E, muito provavelmente, a vingança do dono da mão será plantar a discórdia, dizendo para a turma que sou mal-humorada, que não falei mais com ele e que fujo e, pior, que só posso estar passando por “aqueles dias”, expressão usada na tentativa de tirar a legitimidade de nossa raiva mortal prevista em lei, reconhecida em cartório, assinada, selada e entregue.

Sinceramente, torço para que o novo normal, como está sendo chamado nosso futuro pós-Covid-19, possibilite a libertação das mulheres desses encontros e cumprimentos que possam dar margem para esse tipo de pessoa agir. Torço para que os homens da mão entendam que é errado e que nós percebemos. Aliás, vejo meninos incentivados pelas próprias mães a explorarem o corpo das mulheres como se fosse território público, orgulhosas que o filho levantou a saia da mulher, os olhos gritando olha só meu homenzinho!

Mulheres, vocês já passaram por essa situação da mão na cintura? Abram os corações de vocês nos comentários.

Ilustração: da minha Mulher Alterada favorita, Maitena | Foto da ilustração e texto: de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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