Crônicas,  Vida e Carreira

Eu só queria um ventilador retrô

Finalmente compramos um ar condicionado. Planejávamos como encobrir os fios e a tubulação enquanto deitados, no escuro, com dificuldade para pegar no sono. Concluímos que numa noite como aquela, de temperatura amena, não ligaríamos o aparelho novo, ficando somente com o ventilador ligado, como estávamos naquela madrugada.

Disse que, se fosse ter um uso moderado, então compraria um ventilador daqueles de estilo retrô. O que me fez lembrar da diferença entre retrô e vintage, que o retrô são peças feitas hoje que queriam ser como as do passado, e que o vintage são as próprias peças do passado. O que me fez lembrar da época dos anos 1980 e 1990, que me são muito especiais e que, na minha cabeça, estão há poucos anos de distância, até me dar conta que houve todo o ano 2000 e que o 2010 também já se esfarelou.

O que me fez pensar que um dia será 2080. E que pessoas nascidas em 2085 crescerão, e que quando atingirem uns 30 anos, lembrarão das brincadeiras da infância e das roupas escalafobéticas que usavam e que o mais bizarro, inclusive, era que estas mesmas roupas tinham voltado à moda. Então a pessoa começaria o papo assim: lembra daquele brinquedo dos anos 80?, ao que seu interlocutor jamais responderia: que anos 80? os dos 1980 ou os dos 2080? Ele automaticamente saberia que estavam falando dos anos 2080.

Daí me dei conta de que vai chegar uma hora na vida deste mundo em que ninguém mais vai falar de Atari, do jogo Três Marias, de ombreiras e de mola colorida de brinquedo. Ninguém mais vai falar de Tamagochi e dos Biscoitos Fofy. Assim como nós jamais falamos sobre aquele drinque que estava em alta nas tabernas de 1885, e que provavelmente os bartenders da época não gostariam que a criação deles virasse gás no tempo.

Senti umas sensações muito estranhas, um desconforto total, uma fermentação de tristeza com indignação, dando início a uma azia, misturada a um saudosismo daqueles que fincam os ossos. Então, num solavanco de egoísmo cáustico, indaguei por quanto tempo mais o homem viveria sobre a Terra, uma vez que os dinossauros já encerraram seu expediente. Lembrei que muitas das ideias elaboradas para filmes de ficção científica já foram presenciadas por este planeta, e que talvez uma outra pudesse ocorrer. Amanhã poderíamos acordar e constatar nas notícias que um planeta, com 60% do tamanho da Terra, está a caminho e atingirá o nosso em cheio, no Paraguai, bem ali na fronteira com Foz, onde as pessoas queimam o lixo gerado pelo comércio dos free shop, cuja fumaça podemos visualizar da janela de um hotel no Brasil.

Não aguentei visualizar os meus 1980 e 1990 virando gás no tempo.

Levantei para escrever sobre esses pensamentos mais velozes que a luz, esbarrei no ventilador e ele se arrebentou. Talvez, um dia, em 2080, alguém também esbarre, de madrugada, em seu ventilador, sendo a deixa para comprar um modelo retrô, igual aos dos anos 2020. Melhor não, são horrorosos.

P.S.: Terminado o texto, em busca de uma imagem para ilustrar, colidi com esta de hoje do site da NASA (dia em que escrevi o texto). Coincidência? Destino? Em quê você acredita?

Foto: Reprodução/NASA/SOFIA/Lynette Cook |  Texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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