Minha avó tem debilidade senil. Em um dia está na dela, nos vê e parece não reconhecer, talvez não saiba nem quem ela é. No outro nos recebe falante, repara que cortei o cabelo e ainda faz piada quando o filho elogia a beleza dela: “Já bebeu demais e tá falando besteira”.
Nosso último encontro foi estranhamente especial. Ela tocou em pontos críticos da minha vida, como se tivesse bola de cristal.
“Que ‘dentadura’ bonita tu tem. Tu cuida?”
Então, vó, eu iniciei o reparo de alguns dentes que sofrem devido ao bruxismo. O processo foi interrompido devido à pandemia e até agora não retomei. Obrigada pela “chamada”. Vou correr atrás de cuidar da minha dentadura.
“Tu dirige? É bom saber.”
Pois é, vó, eu sei que essa questão é muito importante pra ti, pois foste proibida de dirigir em tempos remotos do teu casamento. Eu ainda não dirijo porque acho muito estressante. Mas confesso que tenho pensado muito nisso. Concordo contigo que é bom saber. Sou do time que até gostaria de ter habilitação para uma eventual emergência, mas é daquelas coisas que vamos deixando para depois, sabe? Mas vou considerar teu conselho.
“Aproveita a vidinha de casada. Depois não volta mais.”
Vó, eu tenho pensado muito sobre isso. Toda ajuda tecnológica que temos deveria nos facilitar a vida e nos dar mais tempo, mas parece que cada vez mais ou surgem ou eu invento coisas para fazer. Só que no fim das contas, tudo que me importa e que eu mais gosto é estar junto do meu marido. É só o que importa. Há tempos me esforço para que as coisas, os afazeres e os fatos não-importantes não se sobreponham aos nossos momentos. Obrigada por me lembrar disso, vó.
A vida tem dessas, parece que estávamos ligadas de alguma forma, ela sabendo dos pontos urgentes da minha vida.
Fico no aguardo das próximas visões dela.
Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.
