Crônicas,  Vida e Carreira

As casas e os livros da pandemia

Se alguém me dissesse, no final de 2019, que em 2020 eu assistiria diariamente à bagunça no armário de um correspondente de Brasília de uma rede de TV eu não acreditaria.

Confesso que ainda não me acostumei a ver a casa dos apresentadores de programas de TV, jornalistas, algumas celebridades e personalidades.

Mas o que mais me fascina é a evolução que vem com a preocupação estética, as modificações que os apresentadores fazem conforme se assistem, ou conforme as ordens chegam. Presto atenção nisso, na harmonia dos espaços e na mensagem que cada escolha pode transmitir.

Passado um tempo, o correspondente troca a baderna do armário de fundo pela mesa de jantar na sala. Passado mais um tempo, resolve ligar as luzes. Porta-retratos da família. Plantas. E a cada dia carrega mais na maquiagem, talvez no intuito de espantar o relaxamento que a casa proporciona, buscando mais profissionalismo, mesmo que dérmico.

Há os home office que continuam intactos desde o primeiro dia de transmissão. Não sofreram um “ai” de alteração. O abajur sempre aceso, os mesmos objetos nos mesmos lugares. A planta intacta – será artificial ou seca? O quadro escorado no aparador. No porta-retrato, a foto de uma menina. Filha quando pequena? Neta?

Difícil prestar atenção nas matérias quando há tantas lombadas de livros para ler e entender do que a pessoa se alimenta. Alguns jornalistas ainda expõem capas de frente, como querendo mandar um recado. A semiótica do home office televisionado foi ativada.

Notei, por exemplo, que depois do recente falecimento do fotojornalista Alceu Feijó, seus livros apareceram sobre as estantes dos repórteres. Uma homenagem, talvez. Um desejo de endossar o coro da admiração. Uma necessidade de dizer o quanto admirava. Incluir-se.

Há, sem sombra de dúvida, uma preferência por gravar em frente à estante abarrotada de livros. Algumas bem organizadas, outras serventes do dia a dia. Esse cenário me faz pensar no poder da palavra escrita, ainda.

É incrível como o texto impresso ainda tem peso nos dias de hoje. Pode surgir o que for em termos de tecnologia, de maneiras de se conectar ao conhecimento. Há algo de encantador nos livros. “Este sou eu em frente a minha biblioteca, ao que já li, ao tesouro que acumulei”.

Lembro de assistir a um programa de culinária cujo convidado era dono de uma das redes de restaurantes mais bem-sucedidas do Brasil. Quando perguntado sobre qual era sua formação: “Tenho trezentos livros de culinária em casa”.

As pessoas dizem “eu prefiro falar, não vou deixar isso por escrito”. A palavra escrita tem potência, validade, palavra. Tudo desenhado com ela vira coisa séria. É averiguável, factível, tangível, inflamável. Corta a pele em dor ainda não comparável.

Em tempos de pandemia, livros viraram símbolo de status. Em tempos de fake news, que nada mais são do que as mentiras que sempre nos rondaram, em tempos de sites que tentam explicar o mundo por meio das palavras de quem ainda procura respostas, em tempos de uma infestação de opiniões, on-line e sem limites, os livros parecem ser o soro que nos curará do envenenamento.

Mas isso é apenas um comportamento padrão do ser humano. Quando nossos alicerces parecem sucumbir, procuramos em que nos agarrar. E os livros sempre foram e continuarão sendo o melhor refúgio, nem que seja para uma retaguarda bem composta onde se posicionar frente ao celular – e ao mundo.

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