DECORAÇÃO

Como eu parei de acumular

 

Estes pacotes na foto, com dezenas de saquinhos para presente, você encontra em casas de papelaria especializadas. E na minha.

Faz alguns posts que compartilho no blog a odisséia para descartar itens e partir de uma vida acumuladora para uma melhor, na tentativa de abrir espaço para o que está por vir, além de viver com, como é mesmo… qualidade de vida. E com o tempo, fui percebendo onde estava errando, amadureci e aperfeiçoei o olhar para o que deve ficar e o que deve ir embora. Agora vou dividir com vocês o processo que desenvolvi, mas de uma maneira natural, até, conforme as situações foram acontecendo. Dividi em três etapas, a Autoanálise, a Mudança Mental e o Processo. E, ao final, ainda compartilho o que ficou dos ensinamentos da Marie Kondo. Espero que eu consiga te ajudar contando a minha experiência, que é muito mais sobre questões internas do que aquelas dicas do tipo “posicione os itens assim” ou “dobre assado”. Parece até meio piegas mas, acredite, a mudança é interna.

 

1. A AUTOANÁLISE

É coisa da minha cabeçaCom certeza, o ato de guardar algo é consequência de alguma necessidade. Às vezes ela é bem clara e definida – e válida – e, às vezes, não. Pode haver componentes psicológicos nebulosos no subconsciente envolvidos no processo de acumular itens. Boa parte do que acumulei foi durante a minha adolescência e faculdade. Períodos em que buscava descobrir quem eu era e o que eu queria fazer. Fases bastante confusas e conflituosas. Embora desde criança eu já guardava muitas coisas. Esse é um dos aspectos que consigo enxergar, aquele que está na superfície. Deve haver muito mais nas camadas profundas.

A família ensinouEu tenho familiares que acumulam coisas e mantêm itens “no caso de precisar”. Fui criada com vista para comportamentos consumistas e acumuladores e, de certa forma, eu os reproduzi durante a minha vida.

Embalado para levar – e guardarComo uma romântica da vida que sou, embalo cada objeto com lembranças e sentimentos. Associo eles a momentos, sensações, pessoas, lugares, situações. Isso é péssimo, porque como que faz para nos desfazermos da nossa “vida”? Quando, na verdade, nos desfazemos, apenas, de objetos mesmo, matéria.

As atividades justificamEu trabalho com design gráfico e, por isso, guardo referências de vários impressos. Eu também faço cerâmica, o que significa que qualquer pecinha serve para alguma coisa (anéis viram carimbos) e todo pote velho vira molde. Eu também escrevo no blog e produzo as fotos que ilustram as postagens, então preciso de itens que me ajudem a criar cenários, como tecidos, madeira, pedra. Eu também adoro organizar e decorar a minha casa com itens reaproveitados, dando novos usos a velhos objetos. Tudo isso contribui para que eu queira guardar qualquer coisa.

 

2. A MUDANÇA MENTAL

Os incomodados que mudemUm aspecto que ajudou muito na autoanálise e na mudança é o fato de que eu realmente me incomodava com as coisas todas em excesso que eu tinha. Na verdade, isso não tem a ver apenas com não conseguir encontrar algo no meu minúsculo apartamento, ou bater com a canela na ponta de uma caixa no chão. Tem a ver, também, com situações corriqueiras, como abrir o guarda-roupa e “não ter nada para usar”, ou não lembrar de determinada camisa por meses, ou sofrer para me vestir no verão porque não tenho roupas adequadas para o quanto eu sofro no calor. Isso também é sinal de um acúmulo de coisas, no caso, roupas. Também me incomodava o fato de eu ter belos objetos só que dentro de armários, em vez de estarem no meu campo de visão. O que nos leva ao próximo item.

O prazer de ver e usarEu comecei a notar o quanto estava perdendo em não usufruir dos itens legais que eu tinha conquistado, pois estavam guardados, como louças e até quadros. Querer manter as coisas bonitas por perto também é um estimulante para eliminar coisas que não fazem brilhar tanto o olho e que estão ali apenas porque alguém deu, ou porque estão comigo há tantos anos… Pois é, como se fossem pessoas. O prazer de ver e usar coisas boas e bonitas, que nos trazem alegria, faz parte do processo de mudança de mentalidade. De percebermos que merecemos, que somos dignos de usar aquilo que é bom, que custou caro, que é bonito.

Retomando os propósitosA minha vontade de mudar já vinha de tempos. A percepção de que o acúmulo só me fazia mal era muito antiga. Tanto é que, quando comprei meu apartamento, escolhi o menor dos menores justamente com o propósito de aprender a viver com o necessário. Mas senti que fui esquecendo desse objetivo com o passar dos anos e, por isso, a importância de resgatá-lo, de lembrar por que comecei – isso vale para qualquer aspecto da vida: quando você sentir que está perdido, lembre por que começou, lembre por que chegou até aqui. Meu quarto não é gigante e o guarda-roupa é totalmente proporcional ao tamanho do espaço. Isso faz eu me exercitar para fazer caber nele as roupas de inverno e verão – de duas pessoas –, além das roupas de cama (depois de retomado o propósito, claro, como falei antes, já que fui acumulando roupas ao longo desses anos).

Amadurecer é precisoNão adianta as pessoas falarem que eu tenho muita coisa, criticarem, não adianta você apenas ter a noção de que é um atraso de vida reter tanta coisa. A gente só se desfaz do acúmulo quando estamos preparados pra isso. Digamos que toda essa minha incomodação, junto ao propósito antigo de morar em um espaço enxuto, aumentou a temperatura da água na chaleira. O que a fez entrar em ebulição mesmo foi a percepção de que as coisas que eu tinha em casa não me representavam mais. Estavam ligadas à Juciéli de tempos atrás, ou a atividades que não existem mais na minha rotina ou, ainda, não me ajudam a levar a vida que eu quero ter daqui pra frente. Essa ideia mental da vida que queremos levar e de como deve ser o lar para que ele me ajude nisso só se constrói com maturidade, e não porque você leu num livro que assim deveria ser.

 

3. O PROCESSO

Reformando a casaTransformar os espaços da casa é o início de uma reação em cadeia, das boas. Na medida em que reformo meu apê, pois ele é antigo e os reparos necessários são vários, mais se consolida a vontade de ocupar os “novos” espaços com objetos dignos de estarem ali, que mereçam ocupar um lugar que foi cuidado com tanto sacrifício, suor e paixão. Não acho que, pra mim, o caminho seja me encaixar em algum rótulo, como “agora vou ser minimalista”, ou “agora vou levar uma vida dentro da cultura tal”, ou “agora vou ter um guarda-roupa de apenas 33 itens”. A vida é muito complexa, cheia de nuances e fases diferentes. Eu apenas quero que as coisas que me rodeiam tenham algum propósito, mesmo que este seja apenas trazer beleza diante dos meus olhos.

Olhando para o outroEu coabito a minha casa com mais um ser humano, o meu marido. Ter isso em mente faz parte do amadurecimento, do entendimento de que o espaço deve atender a vida a dois – para quem assim escolheu viver. É preciso enxergar quando o espaço não está contemplando, também, as coisas do outro, até o próprio espaço do outro, e que talvez ele esteja sofrendo com o acúmulo de coisas que nem são dele. A empatia, nesse caso, é tudo. É uma questão até de ética. Você escolheu viver dividindo as coisas com outra pessoa, então você deve ser coerente com isso. O processo de acúmulo tem um pouco de egoísmo, mas um egoísmo de mente não presente, sem más intenções. Vamos ocupando, invadindo e perturbando sem nos darmos conta. Você pode olhar para os seus filhos, para a sua irmã com quem divide a casa, para as pessoas que moram com você e pelas quais é responsável. Assim, a ideia do real coabitar vai iluminar o caminho do processo de desacumulação.

Mentalizando o que está por virClaro, ninguém sabe o dia de amanhã, não temos esse poder. Mas ter planos, sonhos, traçar metas para a vida é fundamental para continuarmos na batalha diária. Querer viajar mais, por exemplo. Isso implica em muitas coisas novas que podemos encontrar por aí, estilos de vida que vamos descobrir e que podemos incorporar ao nosso, suvenires etc. Então, visualizando o que eu ainda vou trazer para a minha casa facilita o descarte das coisas que me acompanharam até agora mas que representam apenas uma fase da vida, e que já passou.

Invertendo a lógicaIsso que falei ali em cima, que não sabemos o dia de amanhã, é o pensamento-chave do acumulador. Por não saber como será o dia de amanhã, ele acumula coisas. Libertar-se dos comportamentos acumuladores passa exatamente pela inversão dessa lógica torta. Justamente porque não sabemos o que vai “entrar” na nossa vida, na nossa casa, precisamos que determinado item vá embora. É preciso entender que vai entrar algo e não faltar algo. Isso foi importante para a categoria dos livros. Comecei a imaginar quantos livros eu ainda vou querer ler na minha vida e não haverá espaço para eles se eu continuar guardando os velhos, os que eu já li e não quero ler de novo, os que comecei e não terminei porque não gostei. É preciso dar atenção para o que você gosta hoje e abrir espaço para o que você vai aprender que é interessante daqui a pouco mais. Não dê importância ao que você já largou de mão mas não da mão.

Deixando para os varejistasÀs vezes eu tinha a sensação de que minha casa era um estoque. Eu olhava para os dois pacotes de saquinhos para presente e não acreditava que eu guardava aquilo. Bom, o processo foi que, no dia em que precisei embalar um presente, na papelaria vi o pacote com vários saquinhos custando mais barato do que comprar apenas um. O mercado “te força” a comprar mais itens. Só que só varejistas fazem isso e eu não sou uma varejista, eu não tenho loja. E com o tempo, eu desenvolvi um pacote de presente próprio, que adoro fazer, com itens que podem ser todos reaproveitados: papel pardo, barbante, flor natural e uma tirinha da Mafalda, que recorto de um calendário antigo que comprei na Feira do Livro de Porto Alegre por cinco reais. O que quer dizer que os saquinhos de plástico foram ignorados e moram na minha casa há anos. Cada vez que olho para eles sinto vergonha, acho patético. Então, eu decidi que quando eu precisar de um pacote de presente, ou algum item que não é sempre que eu vou precisar, vou ver se consigo com alguém ou, então, vou até uma loja e resolvo a minha situação e pronto. Nada de comprar de pacote, nada disso. Tem pessoas que trabalham estocando itens, para quando alguém precisar, elas venderem apenas um. Então eu deixo para os profissionais essa coisa de “acumular” e pago para ter uma casa não entulhada.

 

Os pacotes de presente que criei, no sentido anti-horário: Os primeiros traziam uma flor natural. Depois, passei a incorporar a tirinha da Mafalda. No terceiro, o alecrim deixou tudo perfeito.

 

  • Depois da Marie Kondo

Quando descobri a Marie Kondo, me apaixonei e me agarrei ao método dela como se fosse a última esperança. Até contei sobre o processo nos posts sobre uma vida com menos e vida simples. Foi um momento em que consegui me livrar de muita coisa. De coisas até que, passados alguns dias, quase chorei me dando conta do que tinha eliminado da minha vida. Mas depois fui entendendo que foi melhor, que aquilo tinha aberto espaço para coisas novas.

O fato é que, quando seguimos fórmulas, fazemos apenas o operacional: tiramos as coisas de casa. Ou, como ela diz, escolhemos o que fica, o que nos traz alegria. Só que passado um tempo, a casa volta a ficar entulhada, justamente porque nos falta o amadurecimento e a mudança de mentalidade. Parece clichê de autoajuda mas, de verdade, a mudança é interna. Eu precisei olhar para o meu comportamento com olhos críticos e, com o foco voltado para a vida que quero levar, consegui mudar a configuração do programa que roda no meu sistema. Porque retirar coisas de casa não significa que nosso comportamento na rua não vai acabar trazendo mais coisas para dentro. Sacou?

Há muitas ideias boas no processo dela, como o aperfeiçoamento do ato de olhar para um item e julgá-lo desnecessário ou que te traz alegria. A gente lê o livro dela e acha que vai sair julgando o que sai e o que fica de forma fácil. Só que não é tão simples assim. A gente fica confuso, a gente fica em dúvida, a gente empaca. E uma coisa que fui percebendo ao longo do processo de desentulhamento da minha casa é que, quanto mais eu pratico isso, mais craque eu fico. Porque quando acumulamos, estamos perdidos sobre quem somos e que vida queremos levar. Então, na medida em que vamos amadurecendo e as ideias ficam mais claras sobre o estilo de vida que pretendemos levar, conseguimos identificar de imediato se um item tem serventia nesse contexto. É como musculação para quem quer ter qualidade de vida: tem que praticar sempre, regularmente.

No livro A Mágica da Arrumação, Marie fala que o descarte deve acontecer em um único dia. Devemos escolher um dia para fazer o desentulhamento da casa inteira, seguindo a ordem das categorias. Primeiro as roupas, depois os livros, por último os itens emocionais e as lembranças, porque já teremos “malhado” nossa mente e estaremos craques em identificar cada coisa. Só que isso de fazer tudo em apenas um dia, na verdade, acarreta um efeito rebote. A pressão e o cansaço mental são tamanhos, que você trava, lá pelas tantas, e deixa para continuar num outro dia, só que esse dia pode nunca mais chegar. E vendo a série Tidying Up With Marie Kondo, na Netflix, parece que ela até já mudou esse conceito, porque algumas pessoas levam cinquenta dias no processo, algumas menos, outras mais.

Então eu sigo eliminando coisas sempre, fazendo o exercício da escolha sempre, como na musculação, até ir ficando cada vez mais fácil identificar o que deve ficar. Até o gosto para objetos vai refinando. Tem vezes que me pergunto, como pude ter isso? Mas, mais uma vez, estava ligado a uma outra fase da vida, que já passou.

Mesmo não fazendo o descarte em apenas um único dia, você poderá se sentir empacado. Pare! Vá tomar alguma coisa, abra as janelas e observe o que acontece na rua, assista a um episódio da série da Marie Kondo – é o que faço para me manter dentro do assunto – e depois volte. Repare que eu não disse “dê uma conferida na rede social”. O ideal é parar e fazer alguma atividade de curta duração e não se perder em outro mundo e nunca mais voltar.

Essa analogia da musculação é fato. Com o tempo, você estará lavando a louça e decidindo: não preciso mais desta xícara. Você vai tirar o pó das prateleiras de livros e vai retirar dois para serem doados imediatamente. Não precisamos parar por horas e tirar tudo das gavetas sempre. Isso vai acontecendo naturalmente. Claro, para quem quer começar, para quem quer dar o start, para quem vive sob uma montanha de coisas sufocante, amadureceu, mudou a mentalidade e não vê a hora de desentulhar, escolher uma data como se fosse um dia de festa, juntar pilhas de coisas por categorias (a pilha de roupas, a pilha de livros, a pilha de itens da cozinha etc), pode ser um começo triunfal e um marco que vai, sim, abrir espaço e caminho na casa e na vida. É um processo que inspira continuidade. Sempre.

 

  • Por último

Eu me considero uma ex-acumuladora, mas não no sentido “olha como estou curada!”, porque há recaídas, a oportunidade de estarmos sempre exercitando e aperfeiçoando o olhar para o que está errado, mas porque depois que passei por tudo isso e senti o quanto a minha vida melhorou e o quanto estou mais madura – e também vendo os pulos que minha irmã dava no quartinho da bagunça que agora vai ter que receber outro nome – me dei esse título como uma forma de internalizar esse comportamento e perpetuá-lo, repetindo para mim mesma que já não sou mais uma acumuladora e que agora a minha vida está sendo conduzida por mim mesma, e não pelas coisas. Se você não sabe por onde começar, comece com alguma afirmação positiva: estou reduzindo a quantidade de coisas, ou vou ficar com apenas o que me traz alegria, ou preciso de espaço para o novo, ou sei o que quero e o que vai me acompanhar nesta nova fase.

 

Este foi o meu depoimento de como tem sido reorganizar a minha casa e, também, a minha própria vida. Ou seja, terá atualizações – em novas postagens – de tempos em tempos. Afinal, a gente muda. E ainda bem!

 

Fotos e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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