Crônicas,  Vida e Carreira

O dia em que acabei com a ditadura do biquíni na minha vida

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Desde muito nova, usar biquíni era vergonhoso pra mim. Me sentia nua. Sempre me questionei sobre ter que vestir lingerie para ir à praia enquanto os homens seguiam confortavelmente enfiados em seus bermudões e camisetões, mesmas roupas que usam dentro de casa na frente de suas mães.

Mas todo esse questionamento era só meu. Não fui criada pra perguntar, mas pra obedecer. Todo mundo usava biquíni, então eu usava biquíni.

Até que mais velha eu levantei, raras vezes, a discussão para a minha mãe, de que biquíni era pior que lingerie já que mostrava até mais. Mas minha mãe sempre achou a comparação um absurdo, e a vida seguiu sempre igual.

Estou com 31 anos agora. E faz muito tempo que não vou à praia no sentido depilação cavada da coisa (ou seja lá o nome que tem aquele procedimento que cobre de cera fervente até seus pequenos lábios e arranca não só os pelos mas também a sua vontade de viver). Meu contato com a costa do continente nos últimos anos se resume em visitar meus avós que moram na praia, e isso significa ficar dentro da casa deles ou, então, no centro comercial acompanhando os familiares nas compras. Não temos uma vida praiana na praia. Ou então, em um ou outro réveillon que provavelmente deve ter chovido e então não tive como manter um relacionamento estável com o mar.

Por outro lado, esse período todo de desencontros com a beira mar até que foram um alívio para mim, que tive minha intimidade poupada. Em troca, muitas idas à serra, trilhas, cachoeiras, bons vinhos, muitas histórias pra lembrar. E isso tudo, pasmem, sem ter que ficar nua em público.

Bom, seguindo pela trilha da libertação, há aproximadamente 1 ano, durante a aula de dança da academia, algumas alunas comentam com a professora que ela não devia estar nem um pouco preocupada com a chegada do verão. Era só colocar um biquíni e pronto. Ao que a professora responde:

Não uso biquíni.

E todas: o quê?!

E ela: não me sinto confortável.

E todas: o quê?!

E ela: parece que eu tô pelada. Tô sempre com um vestidinho por cima.

Foi amor ao primeiro bate papo. Uma mulher que me entendia. Não se trata de forma, do sentir-se magra ou isso ou aquilo, mas do fato de você estar praticamente nua na frente de crianças e homens adultos, estranhos e conhecidos.

Não faz o menor sentido você manter em segredo durante um ano todo, só entre você e você, na sua intimidade, aquela pinta que você tem ali na virilha, mais pra baixo na coxa, e daí, numa tarde de sol (como são quase todos os dias), porque o chão não é mais chão, mas areia, porque as paredes da sua casa não são mais as paredes da sua casa, mas o mar, porque não está mais na sua intimidade, mas na frente de todo mundo, você tem que mostrá-la a todos.

Você pode substituir “aquela pinta” por qualquer outra coisa que você ache que deveria ficar só entre você e você, ou entre você e o seu marido, ou entre você e o seu namorado, ou entre você e a sua ginecologista.

Continuando então, hoje, no dia 09 de outubro de 2016, pra “fechar todas” com a minha compilação de evidências, resolvi ler um texto do Nelson Rodrigues, que eu sempre soube que estava lá esse texto, eu só não tinha ido atrás desse texto, é que eu coloquei uma pedra em cima desse assunto, pra minha vida.

Ele falava da nudez que ninguém desejou, da nudez quase que invisível, e eu fui internalizando o quão desnecessário é o stress do biquíni – lingerie sim! Aquela nudez que ninguém pediu, que um dia me disseram que era assim e pronto.

Eu entendo que o biquíni foi inventado como uma peça iconoclasta – com o perdão do palavrão. Mas uma vez, e já na primeira vez, que isso acontece, ele já cumpriu sua função.

Hoje, nos dias de hoje, no século que é este século, na era em que fazemos humanos em laboratório, moramos no espaço e cobramos 30 reais por um cachorro quente gourmet, eu vou romper com o quê usando biquíni? Minha dignidade? Meu mistério? Melanina? A porteira do envelhecimento precoce? Do câncer de pele?

Mais do que vivermos na era do pão com salsicha inflacionado, nós já vivemos – e ainda bem! – em tempos em que nós, mulheres, podemos fazer escolhas. E eu, depois de toda essa minha vida infeliz de lingerie na praia, escolho dizer não ao biquíni.

Quando tratamos de qualquer questão feminina, temos que ter isso em mente: estamos fazendo isso porque alguém nos obrigou, porque a sociedade nos pressiona, porque queremos agradar a alguém, ou é uma escolha?

Eu escolho usar o que eu estiver a fim naquele dia, com aquela temperatura, na frente daquelas pessoas.

Eu escolho a liberdade de escolha.

 

Foto: Reprodução | Texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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