DECORAÇÃO,  Decorar,  sala / estar

Décor de restaurante e distanciamento benéfico dos nossos últimos passeios

O isolamento social me faz remontar às últimas andanças. Dessa forma, revejo conceitos, estratégias e roteiros para as próximas saídas que, quem sabe, um dia, voltarão a “ficar seguras” – com um upgrade naquele velho jeito anormal em que vivíamos, com mais higiene e respeito ao espaço alheio, tomara.

Desta vez, revisitei a decoração de um restaurante em São Paulo. Lembro direitinho das tonalidades (que às vezes a fotografia não captura fielmente), texturas e variedade de materiais usados no design. Nada como viajar entre os registros das últimas viagens. Esta, em novembro de 2019.

 

Está vendo as grandes caixas verticais, metálicas e douradas à esquerda? São luminárias. Sofá de espera azul, estofado com tecido que lembra veludo. Digo lembra porque tem cada tecido hoje que imita cada tecido de ontem que já nem sei mais o que veste os móveis por aí.

Rosa antigo e pálido nas paredes, que às vezes se vestem apenas de concreto, ou de chapas metálicas ou, ainda, de um painel ilustrado. As luminárias lembram aros de bicicleta. Ou a frente de um ventilador. Curvados.

 

Há uma área de luz natural com plantas escalando a treliça de vergalhões na parede. Do outro lado, espelhos horizontais parecem uma espécie de cabeceira. Nunca esqueci as tonalidades e as texturas do Arturito.

O banheiro era all black, escurão mesmo. Gostei também. Neste caso, é preciso confiar na limpeza. E não tem pessoa mais desconfiada que esta que vos escreve. O sabonete líquido para mãos tinha cheiro de alecrim, ao passo que o aroma próximo à porta de entrada do restaurante era de cidró. Adoro o cheiro e o chá de capim cidró.

E já que estamos aqui, contarei sobre a experiência gastronômica. O que me atraiu ao restaurante foi o discurso que Paola fez certa vez – que assisti pela internet. Ela contou sobre quando não estava feliz com seu momento profissional, em que desejava ter um restaurante que fosse próximo das pessoas, que não se preocupasse com estrelas Michelin mas, sim, com a boa comida e uma experiência mais amorosa em torno da cozinha.

A romântica dentro de mim pensou: se um dia eu tiver a oportunidade, vou conferir este sonho de cozinha de casa. Foi engraçado porque quando chegamos demos de cara com duas estrelas Michelin na porta.

 

Magret de pato curado como prosciutto de entrada. Fotografei o texto para lembrar do que comi depois, pessoal, pois não sou familiarizada com esses termos. Só para deixar claro que não sou entendida nisso, nem dou importância. Meu negócio é comer. Os destaques em itálico são do próprio cardápio. Isto estava delicioso, tem muito sabor e uma gordura própria que umedece as torradinhas na boca.

 

Preciso ser honesta e dizer que este prato não nos agradou por completo. Era arroz cateto vermelho com caldo de cogumelos e alga, shitakes assados, shoyu e nirá. Estava delicioso no sabor mas, por mais que tivesse escrito caldo, imaginávamos algo um pouco mais encorpado. Parece que não deu liga. Era aguado mesmo.

 

Este prato, sim, nos levou até a Lua e nos trouxe de volta em segurança. Beringela defumada e quiabos assados, lentilhas, tahine, chermoula, sumac e pão na chapa.

Achei estranho pois quando pensei que estaria ficando pronto, o pessoal perguntou se poderia ser feito com vagem porque não havia quiabo. Apesar de querer sentir o quiabo, aceitei, mas com receio. Uma coisa é assar quiabos, pensei, com toda aquela baba e suculência. Outra é assar vagem, com sua dureza e fibras determinadas.

Ainda bem que não sou uma profissional de processos culinários porque a vagem parecia um purê de tão macia. A beringela estava uma coisa de louco, a tahine absorveu todos os sabores e envolvia a boca em cremosidade. Adoro comida que tem molho, alguma cremosidade ou umidade. Comida seca não conversa com meu paladar. Fiquei tentando imaginar que coisa maravilhosa também teria sido com o quiabo. Adoro.

O que eles chamaram de pão na chapa na descrição do prato é uma criação que deve ser estudada pela NASA. Pensa numa coisa fina. Folha de papel? Parecia uma folha de papel. Leve como nuvem. Crocante de fazer música quando mordido e muito bem temperado. Só alegrias com este prato.

 

Beber durante a refeição é um hábito que não tenho mas não resisti ao nome do suco: Kiro, O isotônico do agricultor, com gengibre, mel e maçã. Eles esqueceram de trazer e então, quando veio, só tínhamos que tomar o suco. Como ele foi o sabor que encerrou o almoço, ficamos com a impressão de que ele era melhor que os dois pratos. Suco sensacional.

Falando em bebida, não gosto da maneira como alguns restaurantes empurram a água mineral pra gente. “Posso lhe oferecer uma água?” não parece expressar que teremos de pagar por ela. Nunca ouvi “posso lhe oferecer um Negroni?”.

Não é um restaurante ao qual voltaria mas valeu a experiência. Lembro que chovia e deixaram que entrássemos antes do restaurante abrir para não nos molharmos. Pudemos ver a equipe se reunindo, ouvir suas combinações de quem faz o quê e seu grito de guerra.

Queria compartilhar meus registros sobre a decoração e acabei contando, também, sobre a experiência gastronômica. E agora não vou me aguentar, terei que desabafar sobre os clientes: a placa de fechado, antes de abrir – por lógica – continuava visível do lado de fora e, mesmo assim, cada um que chegava forçava a porta para entrar. Não custava nada esperar que alguém abrisse. Também foi pedido que sentássemos em ordem de chegada no sofá de espera, para manter uma certa organização e nos acomodarem nas mesas de forma justa. Mas cada um sentava onde bem entendia. Será que é coisa de brasileiro ou essa falta de interpretação de texto e de ouvido estão presentes em larga escala também em outros povos como é aqui?

Fiquei impressionada com o fato de que a maioria dos clientes era muito jovem. Na idade deles eu tinha dinheiro apenas para esquentar miojo no pote de plástico do microondas da agência em que estagiava.

Havia um casal na mesa ao lado da nossa, mais velho, cujo homem ficou o tempo inteiro jogado na cadeira, voltado para nós com as pernas esticadas chegando embaixo da nossa mesa. Um cara que parecia de posses. De posse de uma má educação e importunação que vou te contar. Nos encarou o tempo inteiro. Cuidava tudo que falávamos, todos os movimentos. Postura péssima, inconveniente, parecia estar na própria sala de estar. Foi um detalhe da experiência difícil de engolir. O restaurante não tem culpa, claro. Enfim, o outro.

Se distanciar no tempo e espaço desses últimos passeios e olhar para trás com o filtro das experiências aprendidas com a pandemia tem se mostrado benéfico para enxergar as decisões que tomei, só que sob uma nova perspectiva. A autocrítica e até mesmo uma mudança de gosto, seja no paladar ou para programas culturais, podem deixar as próximas experiências mais alinhadas com desejos e objetivos.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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