A CASA

Ganhei um presente: um arranhão da minha laranjeira

Enquanto não começamos a reforma da casa, um sentimento de fazer alguma coisa, qualquer coisa, toma conta de mim.

Me agrada por demais a ideia de fazer o que é possível no momento e com as ferramentas que se tem. A ideia de ser útil. Esperar oito anos pelo meu espaço com quintal e com as minhas árvores é mais do que suficiente como combustível para sair fazendo qualquer coisa, cuidando do que finalmente é meu, onde posso tomar decisões e conduzir o espaço da forma que considero mais adequada. Meu professor de plantio orgânico diz que somos o prefeito do nosso lugar.

A primeira ação no espaço novo que realizei foi cuidar de uma laranjeira tomada por uma planta daninha. E pelas orquídeas. Duas floridas, inclusive, do gênero oncidium. Uma em estágio de florescimento avançado, com as flores secas e a outra no auge da beleza.

Podei a árvore fazendo a retirada dos galhos que crescem para dentro. Aumenta a entrada de luz e ar circulante. Cortei as batatinhas da planta parasita para ela secar, dica de um dos vizinhos que vieram se apresentar e nos dar as boas vindas.

Conduzi uma legião de caracóis para outro ambiente. O Céu dos Caracóis. As orquídeas não sobreviverão se eles permanecerem ali. E para fazer a omelete é preciso quebrar os ovos.

Retirei galhos secos da árvore que lhes davam uns dez anos a mais e ela remoçou.

O trabalho ainda não está concluído. É preciso cortar as batatinhas que estão mais perto do céu com o auxílio de uma escada alta, retirar o toco que caiu no chão com uma grande orquídea, que ficou à mercê dos caracóis e desenvolveu doenças, eliminar os arames e os fios de nylon que os antigos donos fixaram na árvore para, acredito, apoiar vasos e outras orquídeas.

Mas ao dar por encerradas as atividades por ali, no dia, senti a alma lavada. Estava auxiliando uma árvore a se recuperar. Segurava em seus galhos e falava com ela. Tecia elogios e dizia que ficasse tranquila que eu tinha chegado pra gente se encontrar e que tudo ia ficar bem.

E contemplei o trabalho realizado. Gastei o tempo em cima da laranjeira. Observei cada mini bromélia que venceu ali, se adaptando em algum cantinho da citrus. Admirei os novos brotos das orquídeas, seu verde vivo, seu vigor, sua vontade de se desenvolver.

Também gastei um tempo analisando as folhas secas das orquídeas. Nunca tive contato com essa parte, esse momento da vida de uma planta como ela. Segui com o olhar os caminhos percorridos pela planta parasita.

Eu gastei meu tempo ali, sendo útil, utilizando as minhas qualidades e habilidades, aprendendo. Que momento formidável.

É tarde, fica escuro. Está na hora de voltar para a casa alugada. No caminho, sinto arder a pele da mão direita. Sob a luz da sala fica tudo entendido. Ganhei um arranhão. Além de todos os presentes que já tinha recebido, ficou para o final esse. O momento foi tão bom que a laranjeira quis que ficasse gravado. Que eu me lembrasse dele por um bom tempo.

Olho para a cicatriz, para a casquinha formada e penso: puxa, como é bom estar viva. Como é bom viver plenamente. Como é bom poder fazer as coisas. Ter autonomia, botar em prática as minhas capacidades e habilidades. Em uma sociedade na qual as pessoas se poupam de tudo, até delas mesmas, perdendo o tempo de vida diante da pseudo vida dos outros, poder fazer eu mesma as coisas que precisam ser feitas é um luxo.

Que maravilha que é viver a vida. Sentir a pele rasgada e o organismo fazendo o seu trabalho lindo para cicatrizar. Que incrível é mais esse arranhão que trago para a minha coleção. Adoro me sentir útil, livre, viva.

A planta daninha e seus tentáculos.

Os brotos das orquídeas. A vida continua.

Interessante o padrão de corte nas bordas das folhas.

A orquídea que caiu no chão junto com o galho e que continuou se desenvolvendo, apesar dos pesares.

O presente da laranjeira.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *