Quando se passa oito anos procurando por um lugar para chamar de seu, alguma experiência se acumula. Ao sair de Porto Alegre para uma vida de cidade pequena e perto do sítio, analisei muitas casas e terrenos que visitei, além de observar elementos também nas demais construções que não estavam à venda mas que faziam parte do meu entorno.
Sabemos que cada pessoa busca elementos distintos em uma moradia. Eu procurava casa térrea, arejamento entre os vizinhos, Sol, árvores, espaço para horta e para os cachorros correrem – entre outros detalhes. Porém, há uma série de características que se repetem no construir e no habitar que podem culminar em uma vivência não tão agradável quanto se necessita e se gostaria.
É uma ciência nos estabelecermos num espaço. Pelo menos a escolha do pedacinho de chão baseia-se em princípios. E a esses princípios eu somo, também, algumas ideias.
Vou compartilhar tudo com você que pode estar, nesse momento, passando pelo perrengue de ter que tomar essa decisão tão importante, grandiosa e influente no decorrer da vida.
São 3 os elementos essenciais para começarmos a pensar no que seria o espaço ideal para levar uma vida digna, plena e saudável:
1) Tenha em mente que:
Mais de 80% da população vive em bem menos do que 1% do território nacional. Isso significa que as pessoas costumam se amontoar. Com exceção de quem realmente necessita estar na área urbana, um tantão de gente se aglomera sem precisar e nem se deu conta disso ainda. A pandemia de Covid-19 reconfigurou o mundo do trabalho e várias atividades passaram a ser realizadas em home office ou por meio de modelos híbridos de trabalho. Muitas pessoas já se deram conta de que não precisam estar presas a um espaço confinado nas grandes cidades.
2) Saiba identificar e se orientar pelos pontos cardeais.
Você pre-ci-sa saber onde o Sol nasce, a trajetória que percorre e onde se põe. Não somente como comprador de um imóvel mas, também, como habitante do nosso sistema solar. Por incrível que pareça, muitas pessoas chegam à vida adulta sem saber sobre essa orientação, que auxilia em muitas situações, inclusive na escolha de um apartamento na cidade. A frase “onde entra Sol não entra médico” fala por si. O Sol é um fungicida e bactericida natural. Todos os seres vivos dependem dele para viver, direta ou indiretamente. Você precisa saber, por exemplo, que a brisa predominante no Brasil vem do Leste, do oceano. Que aberturas no lado leste alinhadas a outras no oeste fazem a ventilação cruzada que atravessa a casa e areja tudo. Os quartos se beneficiam das diferentes angulações do Sol pela manhã caso fiquem voltados para o Leste. O frio vem dos polos e por isso não é vantajoso posicionar a porta de entrada para o Sul. O frio vai entrar e o calor vai sair. Porém, o contrário é o que acontece para quem está no Hemisfério Norte. Já as tempestades vêm de todos os lados. Observe. Observação é sobrevivência. Aqui, por exemplo, observo que os vendavais vêm do Oeste, para onde também não gostaria de virar a minha porta.
3) Dê atenção à quarta pele.
Nós temos a nossa pele, a primeira, que é o maior órgão do nosso corpo e, ainda por cima, de absorção. Temos a segunda pele que são as roupas que nos vestem e que influenciam na primeira e em tantos processos do nosso corpo. Temos a terceira pele que seria a casa e a quarta pele que constitui o entorno da moradia, englobando o pátio, os vizinhos, a rua e até o quarteirão – ou quadra, como chamamos por aqui. Por isso é tão importante usarmos elementos e produtos o mais natural possível, seja para a higiene, vestimentas e materiais que compõem a edificação e o entorno.
Olhando os imóveis à venda o pensamento era: na casa, a terceira pele, a gente dá o nosso jeito. Reformamos, pintamos etc., ou já construímos com esse cuidado. Mas em relação à quarta pele há muitos elementos que não controlamos, por isso foi o que mais levamos em conta na escolha da casa ou terreno.
Na quarta pele temos a luz solar, ou a ausência dela. Temos a forma como o ar circula no entorno da casa e como ele entra nela. Ar é o elemento fundamental para a nossa vida. Ficamos um tempo sem comer, sem beber água, mas sem respirar, talvez nem um minuto. Precisamos de ar de qualidade. Como é o ar no entorno? Tem fábrica perto? Grande avenida? As construções são coladas uma na outra e por isso o ar não circula? Temos os ruídos, os barulhos. Como está a poluição sonora no ambiente? Temos a privacidade, ou não. Temos folhagens, árvores, uma cobertura verde que criará um microclima e refrescará o lugar. Lembre que o planeta esquenta cada vez mais e urge a necessidade de termos o verde bem pertinho de nós. Temos horta e pomar para evitarmos o envenenamento que tanto nos deixa doentes. Temos os vizinhos. Quem são eles? Temos a rua, se movimentada ou tranquila, se asfaltada, o que eleva a temperatura e propicia que os carros passem em alta velocidade, ou se é de outro material, permeável, que não fará a água da chuva acumular.
Esses 3 elementos são os essenciais para começarmos a pensar sobre o espaço ideal para o desenrolar da nossa vida.
Agora quero compartilhar algumas ideias que surgiram ao longo de quase uma década avaliando terrenos e casas.
Na figura acima, uma situação pela qual o Bruno e eu passamos muitas vezes. Encontramos um terreno e descobrimos que se trata de 2 (já deixou a futura casa apertada) e apenas o do sul está à venda. O ideal seria construir no terreno norte, pois ao norte dele já existe uma construção consolidada, o que diminui as chances de surpresas desagradáveis pela frente. Se ficamos com o terreno sul, no futuro poderiam construir um prédio alto no terreno norte que bloquearia o Sol e deixaria o nosso espaço muito frio e úmido, um problema para quem mora no Rio Grande do Sul. Sem contar a opressão que uma construção dessas implica no plano mental. Além de não sabermos que tipo de estabelecimento se instalaria, se prejudicial ou não.
Aqui, muda a orientação dos espaços mas a situação é a mesma. Um terreno que mais tarde descobrimos que se trata de 2, sendo o disponível para a compra o do leste. O terreno oeste que sobra pode acomodar, no futuro, uma construção alta que cedo da tarde cobrirá de sombra a nossa casa e pátio. Além de não conseguirmos acompanhar o pôr do sol. Mudar para uma cidade pequena e não usufruir das maravilhas que a natureza oferece é triste por demais.
Ambas as situações mostram a tomada de decisão sobre 2 terrenos vazios. Mesmo que não haja opção e seja preciso construir nos terrenos disponíveis, o ideal é posicionar a casa o mais distante possível dos vizinhos que podem bloquear o Sol – seja o vizinho que ainda irá construir, seja o já estabelecido. Como veremos nos casos abaixo.
Aqui temos um terreno com frente sul apenas para exemplificar o posicionamento da casa no espaço. O ideal é construir mais ao leste, mas não a ponto de grudar a casa no muro. É bom deixar um espaço para o ar circular, para uma pessoa passar, para plantar uma vegetação e para o Sol da manhã entrar nos quartos, posicionados no lado leste. Longe o suficiente da rua para suavizar os barulhos e ter privacidade. Mas que fique o mais para frente possível para deixar espaço atrás, para criar uma grande área privada. Dessa forma, as partes norte e oeste do terreno ficam livres e ensolaradas, possibilitando a realização de várias atividades e a criação de pomar, horta e jardim para refrescar a casa.
Essa é a situação ideal. Mas o que vemos muito são: casas coladas no vizinho oeste, o que projeta muita sombra no restante do terreno conforme o Sol avança; também casas posicionadas no fundo do terreno, deixando toda a frente exposta ao público. É o caso da casa alugada. Não temos privacidade pois não há área suficiente atrás da casa para estender roupa, cuidar de uma horta ou mesmo sentar para tomar chimarrão e ler um livro.
Da mesma forma, um terreno com a frente voltada para o Leste. O ideal é posicionar a casa mais ao sul e leste possível, pois as áreas livres receberão o Sol por mais tempo, poderão nutrir um jardim, um pomar, uma horta, além de auxiliar em várias atividades do dia a dia. Lembrando de ficar um pouco longe da rua e do vizinho sul, mas que ainda sejam as menores distâncias limítrofes.
Dependendo de onde se está no país e no planeta, haverá um conjunto de características ideais para posicionar a casa no terreno e construir. Quem está no Hemisfério Norte vai querer posicionar as aberturas para o Sul pois é de onde vem a luz do Sol – a situação solar inverte-se. Quem está em uma região muito quente do Brasil vai priorizar a sombra. Há muitos elementos de gosto pessoal que também influenciam. O importante é entender os princípios e tomar as decisões de forma consciente.
Links para você consultar:
1) Sobre a grande maioria da população habitar menos de 1% do território brasileiro:
• Indico a matéria da Agência Brasil com os dados da pesquisa feita pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
• Julia Tolezano, estrela do Youtube, contou recentemente ao podcast De Saída sobre o momento em que percebeu que tinha um trabalho online ao mesmo tempo em que vivia uma prisão no apartamento em SP. E que depois dessa “iluminação” (entre outras), revolucionou sua vida, mudou o jeito de habitar esse mundo, descontinuando o canal e indo morar no meio do mato.
2) Sobre a segunda pele que tanto influencia a nossa primeira: veja uma pesquisa sobre roupas que liberam BPA.
3) Sobre a importância do Sol: indico a leitura de um livro.
E ainda sobre as várias peles que habitamos, indico a leitura de mais 2 livros: Geobiologia – A arte do bem sentir, de Allan Lopes Pires e Juan Saez e Casas Que Matam de Roger De Lafforest.
Conta aqui nos comentários: Você também está à procura de um espaço? Como está sendo essa jornada?
Fotos da casa que adquirimos, desenhos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.