A CASA

Reformar para conquistar

Aqui em casa a gente parafraseia Júlio César, o imperador romano, para as atividades do dia a dia. A frase “Dividir para conquistar” se tornou dividir tarefas para conquistar a conclusão da lista de afazeres que parece não ter fim.

Como já contei, a quarta pele foi o que nos fez decidir pela aquisição do espaço. A casa construída no local, com sua série de problemas, não foi o chamariz. Porém, ela traz uma oportunidade. O plano original era financiar a compra e partir para a construção com o recurso que juntamos. Mas os bancos não tinham dinheiro para nos emprestar, consequência da crise do momento – diga qual é o momento que te direi qual é a crise, pois não há um instante sem ela. Então, tivemos que refazer a rota e usar as economias para a compra do imóvel.

Por isso, a estratégia do momento é “Reformar para conquistar”. Vamos nos adaptar à casa que já existe no terreno, arrumar o necessário e viver nela enquanto juntamos recursos novamente para a construção.

Foi o que fez o casal de canarinhos com a casinha na varanda, uma das surpresas boas da casa nova. Eles fizeram o necessário para tornar a casinha habitável, lar dos filhotes pelo período da primeira infância.

O período que vamos passar na casa reformada também será valioso para nos adaptarmos ao espaço, ao terreno, à quarta pele. Essa foi uma lição que aprendi desde quando morava no apartamento em Porto Alegre: passar um tempo no ambiente antes de se firmar de vez. Fomos inquilinos no apartamento, alugando por um bom tempo antes de adquirimos. Também frequentamos o sítio por muitos anos sem estrutura nenhuma e agora planejamos a casinha e os demais elementos necessários para as atividades no local, com base na experiência que acumulamos nesse tempo.

De onde vem o vento predominante? E o temporal, a ventania? Há algum cheiro desagradável no entorno que pode chegar ao local? Como é a incidência de Sol e a umidade do solo? E tantas outras características que devemos observar para então nos estabelecermos.

O ideal é não construir nada monumental antes de conhecer a quarta pele. A casa, que é a terceira, também define como encaramos a quarta pele, como interpretamos e como interagimos com ela. É um círculo virtuoso: observa a quarta para definir a terceira para, então, usufruir da quarta da melhor maneira.

A primeira ação tomada foi dedetizar. Aplicamos Jimo fumigante no forro e nos ambientes. Como as formigas grandes tomaram conta e havia frestas entre o roda-teto e as paredes dos quartos, muita sujeira caía no chão. Na direita, as frestas vedadas com massa e as paredes pintadas.

Por dentro e por fora, as paredes estavam descascando. Foi retirado o que estava por cair e rebocado novamente. Na direita, a parede torta entre a cozinha e a garagem. A casa está fora de esquadro. As rachaduras são muitas. A seção da frente da casa, que pega a cozinha e a sala integradas, possui chapa. Já os quartos nos fundos possuem forro de PVC. Provavelmente as partes foram feitas em tempos diferentes e não foi realizada a “costura” necessária entre elas, pois há rachaduras de cima a baixo. Como se a parte de trás da casa estivesse se descolando da frente. Também passamos massa para fechar as rachaduras. É um trabalho mais de maquiagem do que de intervenções profundas.

As gramíneas que crescem entre as placas. Difíceis de retirar pois são altamente resistentes, possuem batatinhas que armazenam água e proporcionam vida longa mesmo em tempos de estiagem. Algumas tinham raízes longuíssimas.

Antes, a fachada rosada. A dona anterior da casa, a Vera, de um humor único, chamou de casa da Barbie. Segundo ela, um erro do profissional que pintou. Quando fomos reformar, os rapazes encontraram uma lata de tinta novinha na garagem e própria para área externa. Sem saber que cor era, respondemos sem pensar: pode usar. Alguns mil reais economizados depois, chegamos para ver a casa, coberta por um verde petróleo surpreendente. Adoramos. As cadeiras faziam parte do meu imaginário quando visualizava a casa pronta: uma varanda aconchegante para aproveitar o pôr-do-sol. Quando criança, tive uma cadeira de pano na casa dos meus avós, que moravam na praia. O item sempre fez parte da minha memória afetiva e agora chegou o momento de revivê-la.

Esta porta maravilhosa logo vi que não era externa, mas estava na parte sul da casa. Isso quer dizer que aguentou no osso o vento Minuano e todas as ventanias e aguaceiros das tempestades vindas do Sul e do Sudoeste. Mais tarde confirmei com a Vera que a porta era interna, separava ambientes no apartamento da filha. Na reforma, a porta foi retirada e guardada com todo amor e carinho para dividir ambientes na casa do futuro. Fechamos o grande buraco e instalamos uma janela para não perder a luminosidade. Escolhi o modelo guilhotina porque permite abrir o vidro aproveitando toda a largura da abertura.

Acima, o antes e depois dos fundos. Havia apenas um tapume com madeiras fechando a parte de trás da garagem. Na reforma, a parede foi continuada e inserimos uma janela. O detalhe especial ficou por conta da porta, que era a de entrada da casa dos pais do Bruno. Acho a coisa mais linda, queria que fosse a nossa porta de entrada. Uma pena que o vão era menor. O pedreiro sugeriu cortar a porta para que coubesse, mas nem por decreto altero a porta. Mais fácil quebrar a parede para fazer ela caber. Mas decidimos por não fazer tanto estrago e ela teve um vão feito sob medida na nova parede da garagem. Vamos fazer uma cobertura para proteger a peça da chuva e do Sol – além de ser útil pra gente, também, ter uma área coberta nos fundos, mesmo que pequena.

Ajustes no portão dos corações. O meu pai, Emídio, ajudou nas reformas, na mudança e na montagem dos móveis. Essa é a 14ª vez que me mudo na vida. Meu pai é a pessoa que mais entende de mudança. E só nessa última foram muitas viagens com a caminhonetinha. Nós mesmos fizemos porque era final de ano e não tinha pessoal disponível. Meu pai desmontou e remontou guarda-roupas nessa vida numa quantidade de vezes que nem sei, pois ainda teve as mudanças da minha irmã. Só temos a agradecer <3

A casa não possuía área de serviço. Então, a pia que apoiava o canto do churrasco (na esquerda) deu lugar à lavanderia (na direita). Guardei o tanque que era da minha avó por anos na casa alugada para, finalmente, ser usado. Tem um tamanho excelente, ótimo para dar banho nos cachorrinhos durante o verão, além de caber um balde com folga. A torneira permaneceu no mesmo lugar para não mexer no encanamento. Descentralizamos o tanque para a máquina de lavar entrar ao lado com folga. O espaço que sobrou na direita receberá os ganchos para a turma da vassoura.

Depois de 3 anos atravessando a rua da casa alugada para tomar banho e dormir na casa dos meus pais, finalmente ter um quarto e um banheiro funcionais na mesma casa é a realização de um sonho. Astromélias brancas, presente da minha mãe pela casa nova.

Eu era daquelas pessoas que achava que se cortasse 1 galho de uma árvore estava acabando com o planeta. Cortar um terreno usando retroescavadeira, então, era um fim de mundo. Mas com os anos de estudo e prática, entendi que as podas são fundamentais para o manejo das plantas quando se trata de cultivos e áreas onde circulamos intensivamente, como a nossa casa, deixando o espaço mais ordeiro – diferente de uma área que se queira manter com cara de floresta, deixando a natureza tomar seu curso. Burle Marx plantou a semente da experimentação em mim. Se uma planta não ornava no local, o mestre dos jardins modernistas do Brasil simplesmente rearranjava o espaço, substituindo a planta. Meu professor de plantio orgânico também dizia que se for para fazer algo melhor, que traga um ganho para o espaço, para a nossa qualidade de vida e das próprias plantas que ali viverão, então que seja feito. Não ter receio de experimentar é uma ideia libertadora quando se trata de espaços abertos e me ajudou, inclusive, com decisões no sítio. Compreendi que as coisas não são estanques, principalmente se tratando da natureza, em que a metamorfose e a sucessão dos ciclos imperam. Acima, na foto da esquerda, cortando um pé de Poncirus trifoliata, cítrico usado mundialmente como excelente porta-enxerto, segundo a rápida pesquisa que fiz pois nunca tinha ouvido falar dela. Os frutos parecem cobertos por um veludo, até achei que estavam mofados. Espinhos que mais parecem lanças. Me arrepiava cada vez que precisava passar por ela, e isso que adoro cactos. Há um bocado de árvores nos fundos do terreno que ou são de frutas que não queremos ter ou estão posicionadas em lugares nada estratégicos. Portanto, algumas serão cortadas mesmo. E muitos dias depois que retirei o arbusto, caminhando de chinelo sobre a grama senti algo perfurando meu pé. Puxei o pé para trás para sair do chinelo a fim de ver o que me atingiu e o chinelo não saía. O espinho atravessou o chinelo e perfurou a carne. 1 cm do espinho ficou para a sola do calçado, o restante adentrou meu pé. Fiquei 2 dias com dores absurdas que vinham em ondas. Quando achava que tinha passado, vinha uma onda de dor daquelas de querer deitar no chão e chorar.

Chuva ou Sol, os pais canarinhos alimentam seus filhotes. O pai e a mãe se aproximam por meio dos fios elétricos que chegam na casa. Ficam minutos empoleirados neles se comunicando com os filhotes e averiguando o entorno. Se certificam de que as crias ainda estão esperando por eles e que não há predadores e outros males que possam interferir na operação. Se tudo certo, um de cada vez, mãe e pai, se apoiam na casinha e entregam o alimento para os filhotes, intercalando uma oferta e um olhar para nós. Sempre cuidaram nossa movimentação e nós a deles. Quando avistava os canarinhos nos fios ou voando perto tentando uma aproximação, entrava correndo em casa para deixá-los à vontade. Eles chegaram primeiro, já estavam chocando os ovinhos quando compramos o imóvel e fizemos de tudo para que não abandonassem o ninho. Em menos de um mês, os filhotes voaram. Consegui visualizar 3, mas suspeito que tenha chegado a 4. Quando os pais saíam atrás de mais alimento, levavam o lixo no bico fazendo a faxina do ninho, às vezes com alguns galhinhos também, imagino que para abrir espaço na medida em que os filhotes cresciam.

Duas boquinhas abertas esperando a boia. Uma pena que não conseguimos ver o momento do primeiro voo. De certo esperaram quando não estivéssemos por perto.

Que eles consigam “se adaptar para conquistar” cada vez mais territórios, tornando a nossa vida essa coisa preciosa, que deve ser vivida por inteiro, apreciando tudo isso que há de mais belo e que nos é oferecido todos os dias, de graça.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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