Sempre tive uma inveja danada daquelas pessoas que no dia 31 de dezembro estão cortando a grama de casa, podando as folhagens do jardim, tomando chimarrão na área, de chinelo e camiseta, com o Sol de fim de tarde banhando o rosto.
Sempre senti que esse recomeço de ciclo está fortemente conectado a um estado interior, à reflexão, à cultura do ser humano.
E se a pessoa está cuidando do próprio jardim momentos antes da virada de ano, significa que ela está passando a véspera do novo ano (se não na totalidade do tempo, pelo menos boa parte dele) na sua casa, em seu habitat, tendo a oportunidade de cultivar seus hábitos, podendo ficar com os seus pensamentos, tentando mantê-los depurados, num estado de consciência elevado.
Na passagem de 2024 para 2025 consegui realizar esse sonho. Estávamos em plena mudança para a nova casa e passamos o dia 31 organizando nosso espaço, cuidando do jardim, rodeados pelos cachorros fieis, pelos vizinhos gentis, pelo Sol, pelo verde. Fazendo planos, compartilhando ideias, trabalhando a nós mesmos e refletindo sobre o que fizemos.
No clássico gauchesco Veterano, de Antonio Augusto Ferreira e Ewerton Ferreira, é dito: Neste fogo onde me aquento, Remôo as coisas que penso, Repasso o que tenho feito, Para ver o que mereço. O dia a dia de um senhor prestes a encerrar um grandioso ciclo, embora não querendo se entregar. Poesia de uma beleza sem igual, cujas infindáveis (e primorosas) interpretações jamais conseguiram alcançar sua magnitude (é preciso ser lida em vez de cantada). Pois o período de um ano também pode ser considerado uma pequena vida, assim como o dia pode ser interpretado como uma vida em formato compacto. Ao final de todos esses ciclos, a necessidade de “repassar o que se tem feito para ver o que merecemos” e avaliar do que o amanhã precisa é inerente ao momento.
A maior parte dos meus finais de ano aconteceu mais afastada desse sentimento e valores. Pela proximidade com o Natal, ou eu estava longe de casa ou em meio a muitas pessoas. Isso pode nos distanciar de nós mesmos uma vez que as situações de estresse são iminentes. Os outros têm uma expectativa sobre o nosso comportamento, ir ao supermercado e às lojas é uma gincana e forçar uma proximidade com pessoas cujos valores estão 365 léguas distante dos teus requer um esforço, por vezes, hercúleo.
Cuidar do próprio jardim no último dia do ano foi o melhor presente que eu poderia receber para iniciar um novo ciclo. A impermanência bate à porta nesse momento e estar conectado a valores universais e a sentimentos de eternidade nos fazem fortificar nossas raízes para que permaneçamos firmes diante das tempestades, inclusive as internas. É como ter tomado um banho de luz e tranquilidade para, daí sim, estar pronta para interagir com as pessoas, conseguir oferecer o meu melhor a elas e ao novo ano que mal começou. Ou, nesse caso, que bem começou.
Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.