Por aí,  Porto Alegre,  Rio Grande do Sul

O Mercado Público de Porto Alegre

Já comentei aqui no blog que gosto de começar um roteiro por uma cidade, quando estou viajando, pelo seu mercado público, também chamado de mercado municipal em algumas localidades. Pois eu estava começando a me envergonhar de não ter uma postagem dedicada ao mais incrível dos mercados, o meu preferido, que é o Mercado Público de Porto Alegre, minha cidade. Eu não sei explicar por que acho ele tão sensacional. Talvez sua configuração, com um vão em forma de cruz, que faz a gente circular de forma mais prática entre as bancas. Talvez seja o fato de, em qualquer dia, a qualquer hora, ter sempre um povaréu. Calma, não a ponto de não conseguirmos nos mexer e não aproveitar o espaço como deveria, mas num nível mesa-de-família-italiana, capisce? Em janeiro e fevereiro, períodos de praia e carnaval, até que ele respira um pouco melhor. Mas em noventa por cento do tempo, suas veias bombeiam mais gente que uma ala de escola de samba. Isso é tão bonito e é exatamente o que faz do mercado público um mercado público: sua gente. Centenas de braços levantados sobre balcões por minuto. Sacolas e pacotes pra lá e pra cá. Pesagens mil em balanças digitais. Fichas e mais fichas aguardando atendimento. Relógios que não marcam a hora certa. Até o que já não funciona no Mercado faz parte de sua personalidade. Neste post, convido você a fazer um passeio por ele que completou, em 2018, 150 anos, e que há mais de 5 espera ter a saúde devidamente restaurada após um triste incêndio – o 4.º de sua história, fora as enchentes.

 

Achei interessante registrar o Mercado nesta perspectiva para mostrar a configuração em cruz de que falei. Mas a inteligência da estrutura do Mercado não para por aí. Ao redor desta área quadrangular, mas ainda dentro do Mercado, há um vão também de circulação, onde há mais bancas. E muitos restaurantes e cafés têm suas portas abertas para as ruas, e mais as portas que dão para este vão de circulação. E algumas das mesas ainda ocupam o espaço dos quadrantes internos. Você consegue compreender a arquitetura do abraço contida nisso? A engenharia do flow? A legalzice que é? Bom, você pode não ter entendido nada do que escrevi, mas no dia em que for lá, tudo fará sentido e tenho certeza que ele se tornará o teu mercado público preferido. Está bem, o da sua cidade é o preferido, eu entendo. Mas o fato é que, esta circulação em cruz nos dá acesso facilitado a qualquer ponto do mercado. Parece que nunca damos as costas para nada do que está acontecendo por lá. Já no segundo piso, os dois quadrantes dianteiros (na foto) recebiam as mesas dos restaurantes que ficavam naquelas portas e janelas da estrutura amarela. Já no quadrante de cá, na esquerda, há o vão da escada rolante e o restante do piso recebia feiras de antiguidades, vinis, gibis e outros eventos. Estou falando no passado porque, cinco anos depois do incêndio de 2013, os restaurantes ainda não se restabeleceram ali. O segundo pavimento está praticamente vazio.

 

 

O revestimento do segundo pavimento. Ladrilho hidráulico em três tonalidades e ilustração linda demais.

 

Depois do incêndio de 2013, os restaurantes que ocupavam o segundo pavimento tiveram de se realocar no térreo, do jeito que deu.

 

O acesso ao segundo piso do mercado está liberado, mas não há muito funcionando por lá, a não ser uma barbearia, banheiros feminino e masculino, e cozinheiras fritando salgadinhos que podemos ver através de uma janela entreaberta. Ainda vazio, parado. Ainda um mercado a que não conseguimos nos acostumar. Na foto do barbeiro, reparem no teto, o que parece ser uma lona azul suspensa. É a gente do Mercado tentando tocar o barco do jeito que é possível.

 

Do segundo piso podemos visualizar a parte das pequenas bancas, que vendem de um tudo. De verduras a cápsulas.

 

Na Banca 38, charque e bacalhau de tudo que é jeito. Eu geralmente compro queijos, alguns antepastos e doce de leite por lá. E registro rótulos de vinhos. Eu explico.

 

Adoro o design gráfico e as ilustrações de alguns rótulos de vinho. E sempre que passo pela Banca 38, tenho que fotografar os mais incríveis. O Robson, atendente, me indicou alguns, que têm sua história contada no verso, como as dos casais Ruben e Flora, e Telmo e Ruth, que representam tipos de uvas unidas pelo blend da paixão hahaha. Lindos rótulos. Bastante artísticos.

 

Lorenzo e Gaspar – ou merlot e carménère – são velhos amigos que compartilham suas histórias na companhia de um bom vinho.

 

De repente, o Robson: “Vou trazer um rótulo que tu vai gostar”. E para a minha surpresa e alegria, era o do Porta 6, um vinho que eu tinha tomado em 2016 e que eu já tinha fotografado porque era dos meus rótulos preferidos. Que sintonia, eim? Adoro essas histórias.

 

Este trazia uma espécie de história em quadrinho.

 

Exatamente no centro do Mercado, há um detalhe diferente, importante, especial e intrigante. Detém mil histórias que volta e meia ouvimos falar. Eu não gosto muito de afirmar coisas que só ouvi assim, trazidas pelo vento. O que eu sei é que, assim como muitas construções importantes da capital gaúcha, como a Santa Casa, por exemplo, o Mercado foi construído por meio da mão de obra de pessoas escravas. Enquanto elas trabalhavam na obra do Mercado, construíram este mosaico em granito vermelho e amarelo, com sete chaves de bronze, bem no encontro das duas vias (que formam a cruz), para que as pessoas que por ali passassem tivessem prosperidade em suas vidas. Sempre vejo moedas ou balas sobre o círculo, uma para cada chave. Esse tipo de desenho, as chaves e a quantidade delas têm todo um significado na cultura africana. Vale a pena investigar mais a fundo, mas com quem entende mesmo. Uma história que adoro e que não sei se é real é que, neste último incêndio, o piano que estava ali no meio do Mercado, e que ficava disponível para a população (de músicos) tocar, não foi atingido pelo fogo, uma vez que estava sob a proteção do mosaico. Será que foi isso mesmo? Se foi, é demais. Ou será que só estou passando adiante uma lenda urbana?

 

Viajou e esqueceu do suvenir? Não esquenta, tem placa de Uruguai a Manhattan, passando pelo Texas. É a feira de antiguidades do Mercado. Muitos de seus expositores também participam do Brique da Redenção, no Parque da Redenção, aos domingos.

 

 

Adorei o conjunto de prata para o cafezinho, com as partes em louça de cores diferentes. E ainda vem com a bandeja.

 

Eu quase desmaiei com estas maçanetas. Vontade de construir uma casa do zero só para instalar portas de madeira pesadas com estes puxadores.

 

Vamos falar do que importa nesta vida: comida. Há muitas opções, claro, desde cardápios de séculos, como os dos restaurantes Gambrinus e Naval, tradicionais, até os jovens novidadeiros como a Ciao Pizzeria Napoletana – ainda vou experimentar. O Mercado tem disso, espaço tanto para a velha guarda da gastronomia quanto para os recém chegados. Tem lanches, japonês, italiano, chinês, gaúcho, português e por aí vai. Mas confesso, me decepciono num quesito. Sempre chega aquele sábado em que acordo cedo e vou para o centro comprar os itens faltantes na minha despensa e penso: vou almoçar no Mercado pois adoro a atmosfera e ainda posso fazer as compras com calma. Tudo que eu queria era comer um peixe, porque já não faço tanto na minha casa, então é a oportunidade de variar, e o Mercado é onde desembarca a peixarada fresca desse mundo, afinal. Mas daí você roda os restaurantes e percebe que os peixes ou são à milanesa, ou empanados. E quando dizem que é “grelhado”, na verdade vem envolto em uma farinha ou amido. Ou você terá de desembolsar mais de cem reais num Bacalhau à Gomes de Sá, num restaurante sofisticado. Só que você foi ao Mercado para comprar o cereal do café da manhã e não para comemorar as bodas de casamento, lembra? Fico decepcionada em não ter uma opção de peixe de preparo mais simples e barato.

Na foto em destaque, o último peixe que comi por lá: um salmão grelhado do Restaurante e Choperia Essencial. O salmão estava perfeito. Quem fez entende da coisa. A pele, por baixo, mantém a umidade e, por cima, uma crosta crocante. Mas cem por cento suculento. Eu só trocaria um dos carboidratos, poderia ser o arroz, por legumes salteados, ou algo assim para acompanhamento. No sábado, este prato sai por R$38. Quando cheguei na metade do salmão, já estava satisfeita. Há também uma opção de moqueca para duas pessoas a R$56. O restaurante também oferece uma extensa carta de chopes artesanais, de sabores encorpados, produzidos na região metropolitana de Porto Alegre.

 

O interior de dois dos restaurantes tradicionais do Mercado, o Naval e o Gambrinus, respectivamente.

 

 

O José, simpatia em pessoa, queria uma foto.

 

Originalmente, o Mercado teria somente o piso térreo. Depois é que foi feito o segundo pavimento, para que a construção ficasse nivelada ao antigo prédio da prefeitura, o laranja da foto. Esta é a vista que se tem de uma das janelas do Mercado.

 

Um detalhe de sua construção que acho muito interessante é a cobertura de estrutura aberta, como podemos ver nesta foto. Além de ventilação, a luz natural entra facilmente no interior do Mercado. Lá podemos notar que não há grandes pontos de iluminação. Esta fica por conta das bancas e de alguns pequenos holofotes espalhados nas estruturas metálicas do Mercado.

 

As curvas do meio do Mercado. Do segundo piso é possível sentir o cheiro característico do Mercado Público de Porto Alegre. Uma união de aromas que acaba criando o cheiro único dele.

 

É muito interessante a perfeita integração de ambos os pisos, do nível térreo com o segundo pavimento, por meio dos detalhes arquitetônicos.

 

No flagra! Quando eu como meu doce preferido, sinto como se o tempo parasse pra mim.

 

ONDE COMPRAR – Um pequeno guia de compras do Mercado Público de Porto Alegre

  • Banca do Holandês – Doce de Leite Aviação (prefiro o doce de leite mais claro do que o mais escuro, de gosto caramelizado, como os uruguaios pronto, falei), que estava uns cinco reais mais barato que no Zaffari (rede de supermercados daqui, com unidades em São Paulo também); os itens para o meu bowl de café da manhã, como flocos de milho sem açúcar, damasco, uva passa, lascas de coco secas, castanhas do pará quebradas; a goiabada Zélia; uma coisa deliciosa que é a castanha de caju envolta em açúcar mascavo e gergelim; queijos (ralado e em fatia).
  • Na Banca 38 podemos encontrar a maioria dos itens que mencionei acima, assim como em bancas menores. O esquema é pesquisar para ver em qual está mais barato. Por outro lado, uma dica é sempre reparar onde tem mais movimento. Os nuts e cereais vendidos a granel eu gosto de comprar onde tem mais movimento, porque são repostos mais rapidamente, evitando a proliferação de bichinhos.
  • Banca 40 – Sucos naturais e água de coco. E também a famosa Bomba Royal e os Morangos com Nata, que eu ainda quero experimentar.
  • Café do Mercado – Não tomo café preto mas meu marido sim, e aqui o grão é moído na hora, além de oferecer várias opções, como o café orgânico.
  • Banca 13 – Paninhos para a casa, como o de chão, o de prato e uns pequenos para tirar o pó.

 

Ponto do Chimarrão – Erva-mate Amizade (moída tradicional) a granel, praticamente o mesmo preço que a de pacote, e chás. Adoro o de casca de noz-pecã. Japesca – Na peixaria, compro os filés de peixe e outros frutos para preparar em casa e, no restaurante, quatro niguiris de salmão podem ser meu café da tarde.

 

Eu não consigo fazer como a Dua Lipa, não consigo comprar frutas e verduras no Mercado Público de Porto Alegre, acho muito caro. Prefiro comprar nas feiras de rua em dias específicos. Porém, vai ser difícil encontrar pitaia ou jiló, por exemplo. Nisso o Mercado leva vantagem, pois nos coloca em contato com espécies não muito vistas por aí. Mas isso tem seu preço.

 

Nossa, que sensação de dever cumprido ter dedicado uma postagem ao meu querido Mercado Público de Porto Alegre. Eu, assim como muitos porto-alegrenses, continuarei na torcida para que dêem o devido valor a este integrante da nossa família e que seja recuperado, preservado e mantido mais vivo do que nunca, com todas as suas portas e janelas liberando as fumaças, os aromas, as risadas, os barulhos, os causos e a própria história de sua vida. Das nossas vidas.

 

Fotos e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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