Por aí,  São Paulo

Um domingo na Paulista

Eu tive a sorte de transitar pela Avenida Paulista em um domingo. Era maio de 2018. Eu sei, paulistanos dirão que é clichê, moradores da região torcerão o nariz, pois sei que muitos não gostam do que a avenida se tornou aos domingos: um grande shopping/lollapalooza que incomoda os moradores. Só que era a minha primeira vez em São Paulo. Visualizem uma pessoa que adora a obra da Lina Bo Bardi e que sempre teve o fetiche de conhecer o genial vão do MASP. Foi com esse coração que fui para a Paulista naquele dia: achando que conheceria a arquitetura da Lina e as obras no museu e ponto.

Sem saber de nada inocente, saí da Treze de Maio contornando a Japan House (também um espaço cultural muito do legal para conhecer) e, entrando na Paulista, vi que ela estava com o trânsito bloqueado. Era dia do povo usufruir. Achei incrível. Desde 2016 a avenida integra o projeto Ruas Abertas e se tornou um dos espaços de lazer mais procurados. Pena não ter um chimarrão comigo para ficar curtindo o dia pela rua mesmo. Pois chegando no MASP vi que tinha uma feira de antiguidades acontecendo sob o vão. Com essa eu não contava. Pensei: o que faço primeiro? Como se não bastasse, uma outra feira acontecia do outro lado da rua, na Praça Trianon, com artesanato, gastronomia, floricultura e muitas outras coisas. Sem contar que as exposições que o MASP oferecia no momento eram muito fracas (sarcasmo), com obras do Aleijadinho, da Maria Auxiliadora, e do acervo com Picasso, Van Gogh, Matisse, Modigliani, Portinari, coisinhas para serem vistas com calma, entende? E, ainda, expostas nos cavaletes de cristal, originais do projeto dos anos 40 da Lina Bo Bardi. E eu ainda sonhava em ir na Feira do Bixiga, que acontece no mesmo dia mas em outro bairro – sonho meu, sonho meu… dizia a música.

Sem contar as bandas de alta qualidade se apresentando ao longo da Paulista. Fora o céu de brigadeiro que fazia naquele momento sobre o maior centro financeiro da América Latina. Tinha também a Casa das Rosas, que eu já tinha conhecido mas queria voltar para fazer alguns cliques. Eu ia embora no dia seguinte, por isso a taquicardia. O jeito foi começar pelo começo.

 

Antes que o MASP ficasse cada vez mais cheio, dei um jeito de riscá-lo da lista antes de qualquer outro programa. Ah, te liga, o museu tem entrada gratuita às terças. Como eu ia embora na segunda-feira mesmo, não tive escolha, paguei trinta e cinco reais para entrar. Perguntei à moça se eu poderia fotografar e a resposta foi positiva. Mas também, pagar 35 conto e não poder fazer um registro seria muito triste, do verbo chorar. Na foto, Passeio ao crepúsculo, de 1889. A transição de cores, e que cores!, que o Van Gogh construiu é uma coisa di loco. E o movimento dos elementos todos da cena com aquelas pinceladas onduladas dele?

 

Eu tive muita sorte mesmo, pois a exposição do acervo do MASP resgatava, pela primeira vez depois de décadas, os cavaletes de cristal originais do projeto da arquiteta Lina Bo Bardi. Quando projetou o MASP, ela se preocupou com a estética e a funcionalidade do museu como um todo, incluindo a forma como as obras seriam expostas. Então criou estes cavaletes de cristal e concreto. O objetivo, além de trazer leveza para o espaço e aproximar com sensibilidade a obra das pessoas, era que os visitantes tivessem a sua primeira impressão sobre a obra, sem influência de placas explicativas. Somente dando a volta no cavalete e olhando atrás do quadro é que podemos ver o autor e a explicação sobre a obra e seu contexto de criação. Tem gente que não gosta porque tem preguiça de fazer a volta – bota preguiça nisso, hein? Eu achei genial. Realmente não fica aquela coisa engessada, das obras sobre as paredes numa ordem de visualização imposta. Brinquei de adivinhar os autores antes de olhar atrás. As obras parecem flutuar e os cavaletes de cristal ainda fazem a gente enxergar as costas do quadro. Cada um tem uma estrutura, madeiras e encaixes diferentes, alguns até com adesivos e etiquetas muito antigos, desde quando começaram a ser catalogados pelo museu. É como visualizar a anatomia do quadro. Nesta foto, retratos de Modigliani.

 

Adoro este quadro do Matisse, O torso de gesso. As cores são demais. Ele é de 1919. Eu sempre observo as molduras, obras de arte à parte. Sempre fiquei na dúvida se algumas datam da mesma época do quadro e uma pessoa do museu me explicou que muitas molduras são escolhidas pela própria curadoria, sendo original apenas a tela.

 

Detalhe da obra Criança Morta, de Portinari, 1944.

 

Bailarina de catorze anos, de 1880, em bronze policromado e tecido. De Edgar Degas.

 

Adorei os desenhos gravados nesta urna funerária da Ilha de Marajó que, estima-se, data de 400 a 1000 depois de Cristo. Lembra um macaco.

 

As obras do Aleijadinho eram inacreditáveis e emocionantes. Que sorte a minha estar por São Paulo bem neste momento da exposição. Que presente!

O MASP em si é uma obra de arte e a gente pode e deve usufruir disso, olhando para ele com o olhar de espectador e de encantamento. Pelo menos eu me encanto com a arte da Lina. O concreto é muito presente em suas criações, seja nos pequenos detalhes, como na base dos cavaletes de cristal, quanto nas estruturas dos prédios.

Nesta foto, o concreto deu forma aos bancos que contornam todo o mezanino de um dos andares do museu.

 

Além do concreto, a leveza também é elemento fundamental nas obras da Lina, justamente para contrapor. Ela consegue isso por meio do vidro, de vãos – como o da foto, em que você observa o café, dentro do museu e, ao mesmo tempo, o que acontece na rua –, pelo cristal dos cavaletes e pelas paredes e portas de vidro que limitam os ambientes no interior do MASP.

 

O MASP é uma caixa de concreto ladeada de vidros. Iluminação natural e leveza.

 

Mais concreto no interior do MASP, nas suas escadarias de linhas retas que se cruzam. As linhas retas são outra característica das obras da Lina Bo Bardi. Aqui elas foram cobertas pelo vermelho icônico do museu.

 

Taí o moço. O vão do MASP. Para muitos, ligados em arquitetura, urbanismo, design e afins, ele não é nenhuma novidade. Mas acredito que muita gente deve passar por ele ou ouvir falar do MASP sem ter muita noção de como este vão é uma daquelas ideias geniais que um criador poderia ter. Não qualquer um, claro, mas um como a Lina. Afinal, quantos prédios você vê por aí, na sua cidade ou em qualquer outra por onde você esteja andando agora, que deixa a construção apoiada em quatro pés para que não fique no caminho das pessoas e não bloqueie a visão delas para o que existe para além do prédio? Quantas construções você vê por aí preocupadas com a ocupação e a circulação das pessoas nos espaços públicos? Quantos prédios você vê por aí querendo que as pessoas convivam mais entre si, mas fora dele? O vão do MASP conecta quem está na Avenida Paulista à vista que se abre para a Avenida Nove de Julho. Ele acolhe feiras, manifestações, shows, exposições e qualquer pessoa que precise parar em meio ao caos da Paulista.

 

Um dos prédios que podemos ver ao atravessar o vão do MASP apresenta arte do Kobra.

 

É o que eu digo: o melhor das feiras são as pessoas. E na Feira de Antiguidades do Vão do MASP não há somente itens antigos mas, também, gente simpática, que eu adoro encontrar. Como o Cláudio Rizzi, da banca que vende telefones, caixas registradoras e relógios antigos. Eu me aproximei com a câmera e ele começou a arrumar os cabelos, dizendo que queria sair bem na foto. E disse também que antigo não é sinônimo de sujo e que todos os produtos dele são, antes de mais nada, antes de restaurados, higienizados! Gostei. Quem não quer levar algo limpo pra casa? No site da loja dele tem 10 dicas para restauração de móveis antigos, e uma delas é que talvez uma boa limpeza seja a única coisa de que seu móvel precisa. Vale a pena a leitura.

 

Papiros egípcios por R$30.

 

Muita louça, como os pratos avulsos, pra gente pendurar na parede e criar aquela coleção que veste a casa. Adoro.

 

Tchau, MASP. Foi bom enquanto durou.

 

Na feira do outro lado da rua, na praça Trianon, água de coco, plantas, comida oriental – entre outras –, e artesanato de primeira linha, como as miniaturas de móveis feitas pelo Wilson. Um nível de detalhe e acabamento sem iguais.

 

Eu, que adoro uma miniatura, fiquei hipnotizada.

 

O melhor das feiras são as pessoas. E os cachorros.

 

Como diria o Datena, ainda bem que tenho “ibágens” para provar que o céu que colocaram sobre a Avenida Paulista naquele dia era de brigadeiro. Em se tratando de Sampa, é mais uma atração que a gente tem que sair pra ver.

 

Uma coisa que achei muito, mas muito legal é que as ruas (não sei se todas) que chegam na Avenida Paulista, ou seja, perpendiculares a ela, também são bloqueadas, pelo menos na quadra próxima à avenida. Era o caso desta que fotografei. Lá adiante, cones bloqueavam o trânsito e, assim, pais aproveitavam para brincar com os filhos. Não é ótimo? Viver em uma cidade grande e ainda conseguir construir uma memória de brincadeiras de rua com os filhos. Coisa que praticamente não existe mais.

 

Todas as nuvens foram retiradas.

 

Esta banda era muito boa e não consigo lembrar o nome de jeito nenhum. Se alguém souber, registra aí nos comentários, por favor.

 

Em frente ao prédio da Gazeta.

 

Sério, que vontade de ser fitness.

 

São Paulo é generosa com os fotógrafos.

 

Os prédios parecem lutadores de MMA no dia de pesagem. Tudo uns valentão se encarando.

 

Gente, isso tudo eu consegui ver na parte da manhã, até as 13h, aproximadamente. Pois é, caí da cama naquele domingo. Depois parti para a Feira do Bixiga e, por ali mesmo, almocei em uma cantina italiana maravilhosa. Saí de lá rolando em direção à Liberdade. Fui vivendo São Paulo como se não houvesse amanhã.

Até o próximo post sobre a Terra da Garoa – que garoa?

Fotos e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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