Sim, o Parque Vale dos Canyons em Canela, é uma experiência sem igual na serra gaúcha, não é frase de efeito para chamar a tua atenção. São apenas R$ 25 por pessoa e não os preços exorbitantes que vemos sendo cobrados nos outros lugares. E são apenas esses 25 reais que vamos pagar. Não há valores acrescidos a cada passo que você queira dar, como acontece nos outros parques. Sem limite de tempo de permanência, podemos passar o dia inteiro lá. Pouco fluxo de pessoas porque a avalanche de gente vai para o parque seguinte, o do Skyglass – antes apenas chamado de Parque da Ferradura. E ainda tem a trilha de 30 minutos até o Rio Caí lá embaixo.
O Bruno e eu viajamos com frequência para a serra gaúcha pela conveniência de ser um destino próximo. De Porto Alegre a Gramado/Canela não chega a dar duas horas de viagem. E como já conhecemos os principais pontos turísticos, priorizamos passear por outros lugares e ter experiências em que possamos ficar em meio à natureza. Sempre foi o tipo de passeio que nos atrai. E na medida em que a gente estuda sobre como plantar nosso alimento, os manejos de solo, de florestas, de água, e sobre os sistemas de cooperação na natureza, essa relação próxima com esses espaços se intensifica. É nesse tipo de lugar que a gente gosta de estar.
Uma coisa sempre foi nossa e nunca vai mudar: conhecer as pessoas. Foi conversando com o Divino, dono da propriedade, que pudemos ver o parque de verdade.
Seu Divino nasceu em Gramado e foi parar naquele lugar do parque com 10 anos de idade. Ele conta que eram 27 famílias por lá, constituindo uma pequena comunidade. Ele trabalhava como carpinteiro e contou das dificuldades em ir conseguindo o dinheiro para comprar as partes dos irmãos na herança. “Foi sofrido e sempre aos pouquinhos”, ele lembra, para conseguir os 50 hectares.
Antigamente, no grande gramado onde estacionamos o carro, havia uma escola e uma igreja. E encobrindo o desfiladeiro que chega até o Rio Caí era a roça. Seu Divino conta que ao consultarem os órgãos de proteção das matas para conseguirem mais espaço para as plantações o pedido foi negado. Nenhuma árvore mais poderia ser cortada. O jeito para conseguirem manter o sustento foi abrir o espaço para o turismo. Deus escrevendo certo por linhas certas.
A trilha de 30 minutos até o rio caí era a antiga estrada onde eles levavam a debulhadora de trigo. A subida de volta leva mais tempo, pois é muito íngreme e como lembrou o Divino, para baixo todo santo ajuda.
Seu divino quer ampliar a estrutura do parque. Se alguém precisar usar os banheiros, terá de usar o que tem na propriedade. “Temos que dar o passo conforme a perna, senão a gente cai no buraco”, concluiu, terminando a frase com uma risada, bem-humorado do jeito que é.
Também tem a ideia de colocar um restaurante. Quem nos contou primeiro foi a filha dele, um dia antes, enquanto almoçávamos no restaurante dela no Parque do Caracol. Perguntamos se não tinha a intenção de abrir um no centro da cidade, porque sentimos falta de uma comida como aquela por lá. Respondeu que por enquanto ela tem planos de estabelecer um em outro espaço. Quando ela falou isso a gente não atentou para onde seria, apenas seguimos com a vida. E então o destino nos colocou a conversar com o pai dela no dia seguinte, sem sabermos da ligação entre eles.
Que bom saber que o Parque Vale dos Canyons terá um bom restaurante. E tomara que o parque preserve esse jeitão natural, com aura de roça e de floresta que muitos acabam perdendo conforme vão crescendo e o asfalto dos estacionamentos toma conta.
Seu Divino lembra que antigamente não se viam as pedras que avistamos agora ao longo do percurso do Rio Caí. Era só água. Muita água. Ele conta que as usinas hidrelétricas e o abastecimento das cidades de Gramado e Canela roubaram a água do rio. Ele sabia exatamente quantos centímetros cada uma levou do Caí.
Comentei com ele que a gente chega ali e acha tudo incrível, a paisagem fabulosa, tudo de uma natureza em esplendor. E que mesmo assim ele presenciou uma natureza ainda mais formidável. O que a gente vê é uma paisagem há muito modificada e ainda assim achamos o máximo.
Lembrei da vez que tinha observado isso na praia de Bombas, no município de Bombinhas em Santa Catarina, enquanto conversava com pescadores. Elogiava o verde que abraçava a praia, ao que eles me contam: esses verdes tem dono e projeto de construção sobre eles. Eu, com aquela dor no coração. Eles, muito mais resilientes que eu. Já tinham vivido a praia com muito menos casas, que dirá prédios, condomínios e resorts. Eles já tinham visto coisas mais lindas do que o que eu estava vendo. Ou seja, o que eu achava lindo eles já não achavam tanto. E a paisagem só ia mudar cada vez mais. E como encerrou o Vavá, pescador da região e uma simpatia em pessoa: “Nada é para sempre” e um silêncio se seguiu, com todos nós voltando os olhares melancólicos para o mar.
Seu Divino contando sobre a história do espaço, entre outros causos. O Bruno segurando alguns gravetos que separamos para o Rogerinho. Nosso cãozinho adora roer galhos de madeira para se entreter.
A breve trilha é demarcada com pedras. É muito agradável caminhar pela mata de pinheiros e araucárias, algumas plantadas pela filha do Divino. Ele conta que o plantio também teve a ajuda da gralha azul e do quati serelepe.
Algumas das pedras que delimitam o caminho abrigam muita vida. Esta acabou ganhando um casaco verde e um lindo chapéu, uma pequenina planta que já soltava seus esporos.
É de impressionar a altura das árvores por ali. Uma grande competição para ver quem alcança os raios de sol primeiro. Chama a atenção, também, a quantidade de plantas que crescem sob os pinheiros, geralmente um tipo de floresta conhecida por evitar o crescimento de outras espécies. No trecho com pinheiros que temos no nosso sítio vemos apenas as folhas dos pinheiros no chão, aquela cobertura de coloração marrom, já seca, que impede o crescimento de árvores nativas.
Sexta-feira, 5 de janeiro, lá pelas 10h30. Tínhamos o espaço e a vista só para nós.
Fotos jamais vão reproduzir a beleza e a imensidão do que a gente consegue experimentar estando lá. Esta é uma vista de 180 graus.
É lindo de ver a profundidade de campo do vale. A vista permite que visualizemos o ponto mais longínquo das formações rochosas do espaço.
Seu Divino teve a sorte de ver o Rio Caí com grande volume d’água. Hoje a gente chama de Rio Caí uma porção de pedras. Confesso que as pedras têm seu charme. Bem, sou suspeita, adoro pedras. Vivo catando as que encontro no sítio para quando precisar fazer alguma obra com elas. Mas enfim, é uma grande mudança para as vidas que dependem do rio.
Coníferas despontam acima de outras espécies e o jogo de luz e sombra, conforme nublava e abria o céu, criava uma colcha de retalhos de pontos escuros e iluminados. A cada mudança no céu podíamos obter novas fotos dos mesmos pontos.
Tivemos algumas visitas ilustres, como grandes aves que sobrevoam bem pertinho da gente, uma abelha nativa que pousou na minha mão e por ali ficou um tempo, e este inseto que caminhou sobre todos os nossos pertences, apoiados sobre o banco do mirante. Estava curioso para saber o que era tudo aquilo. Chapéu de palha, mochila, máquina fotográfica, jaqueta, garrafinhas d’água. A inspeção foi minuciosa.
Nesta foto, à direita da trilha do Rio Caí que vemos lá embaixo, sobre o paredão de rochas expostas vemos o Skyglass – há uma torrezinha vermelha despontando. Ambas as atrações, tanto o mirante onde estávamos, quanto o Skyglass fazem vista para o mesmo espaço, as mesmas formações rochosas, porém com pontos de vista diferentes.
Depois de ficarmos cerca de uma hora sozinhos, chegou um casal, bem simpáticos, por sinal. Perguntaram se também tínhamos desistido de ir ao Skyglass, assim como eles. Respondi que na verdade não fomos lá porque não é o tipo de passeio que nos atrai. Eles contaram que no total daria R$ 400 para cada um deles, pois pagava-se a entrada no parque, a entrada na plataforma de vidro, a entrada para as poltronas suspensas, a foto ao custo de R$ 60, pois não é permitido que as pessoas tirem fotos próprias durante o percurso das cadeiras, e ainda paga-se para passear sob a plataforma, no espaço verde que tem por lá.
Então começamos a conversar sobre fazer escolhas e sobre outras atrações na serra gaúcha. Comentei que quando escolhemos onde ir, além de levar em conta vários fatores, sempre pensamos, também, para onde o dinheiro estará indo. No caso de uma comparação entre as duas atrações, o Parque Vale dos Canyons e o Skyglass, eu prefiro que meu investimento vá para o Seu Divino e sua família. Tenho certeza que não faltará público no Skyglass, então prefiro considerar a distribuição de riqueza. Isso é um ponto que nós sempre levamos em conta quando consumimos qualquer coisa, quando há opções.
A mata atrás de nós também é uma atração à parte. Dali vinha os cantos de inúmeros pássaros que fizeram a trilha do nosso passeio, e alguns sons que até nem sabíamos identificar se o cantor era um macaco, um sapo boi ou uma ave hahaha.
De volta ao gramado onde estacionamos e que abrigava, nos tempos antigos, a escola e a igreja da pequena comunidade. A quem interessar possa, a grama é roçada. Nosso palpite era de que envolvia o trabalho de ovelhas ou vacas, mas os animais “rapam” a grama do outro lado da estrada, na casa do Divino, mesmo. Esta do parque é cortada à mão. Só quem tem que cortar grama e, no nosso caso, muita grama, sabe que não é papo de louco falar sobre corte de grama nos passeios hahaha.
Sério, gente, onde quer que a gente vá, se tem grama aparada já estamos puxando conversa com alguém para saber como fazem. É extenuante cuidar de grama. De muita grama, então, nem se fala.
Saindo dali, voltamos um pouco na estrada, no sentido Canela, e paramos no restaurante Nonno Branchini. Era o mais próximo para matar a fome e gostamos da comida. Aquela comida honesta, que dá vontade de montar o famoso prato amarelo.
Toalhas com estampa xadrez. No buffet, um panelão de carne de panela bem caldeada, carne bem macia, onde no próprio molho foram cozidas as batatas. Isso não tem como dar errado. Massinha, bolinho de arroz e um pouco de salada de batata. Também tinha no buffet pastel de carne, arroz, feijão, frango e gado assados, batata-doce chips, várias opções de saladas, entre outros pratos. Também tinha salada de frutas na parte das sobremesas. Buffet livre a R$ 39,90.
Esta é a placa que vemos da via principal, antes de pegar a estrada de chão de apenas 2 km que leva até o parque.
E agora quero saber de você: também aprecia passeios assim, tranquilos e em contato com a natureza?
Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.