SÍTIO

5 meses sem açúcar

Faz 5 meses que não como açúcar. Qualquer uma de suas variações refinadas: demerara, cristal, de confeiteiro, mascavo, qualquer uma. Não adiciono nos preparos em casa e nem consumo alimentos e processados preparados com ele. Nada. Resultado de muito tempo tentando mudar, somado à observação de hábitos familiares, sofrimento ligado a perdas, o despertar para a importância de plantar o próprio alimento, além da leitura de um livro que me levou ao que chamei de marco zero da informação sobre o açúcar.

Sempre tive momentos na minha vida de empenho em consumir menos açúcar. Inventava estratégias de não comer doce de segunda à sexta, apenas no final de semana. Depois passava períodos em que após todas as refeições eu “tinha” que comer algum doce. Quando em celebrações, comia em grande quantidade. Depois vinha o período de privação autoimposto de novo, que durava um certo tempo, seguido de uma nova farra glicogênica, reiniciando o círculo vicioso.

Me sentia super no controle da minha vida nos períodos de privação e bem por baixo quando exagerava.

As mudanças de humor eram drásticas e visíveis. Quando comia doce ficava em êxtase, “high”, superanimada, era só positividade. Passado o efeito, vinha a bad trip e os pensamentos negativos. Por que eu comi isso? Por que fiz isso comigo?

Alguma semelhança com ciclos de altos e baixos de usuários de drogas?

Também houve períodos em que me dedicava a comer direito e a fazer exercícios todos os dias. Aderia aos planos de 1 ano da academia. Emagrecia aqueles 2 quilos iniciais e depois zé fini. Nada acontecia. Estacionava de um jeito que nem guincho conseguiria me tirar daquele lugar.

Sensação de inchaço 24 horas por dia, 7 dias por semana. Bebia os tais litros diários de água, fazia tudo direito e nada. E um desânimo sem fim. Tive condromalácia patelar no joelho e, por mais que tenha conseguido voltar a andar sem dor depois do tratamento, o joelho nunca mais é o mesmo. Basta engordar alguns gramas que ele começa a doer.

Também vinha há tempos observando os hábitos alimentares já tradicionais da minha família. Comer em excesso, beliscar o tempo todo, inclusive após o término de uma refeição, além da compulsão por doces. Vi pessoas sofrerem com doenças e problemas relacionados à inflamação no organismo devido ao alto consumo de praticamente tudo, sobretudo de açúcar. Adição de açúcar na salada e no vinho? Eu já vi isso. Por um lado fico feliz que as pessoas se satisfaçam, mas por outro fico sentida pelo sofrimento, pensando na possibilidade de ter sido diferente.

Por isso vivia em busca de fazer algo por mim antes que fosse tarde. E se tem algo especial que minha avó me passou, dentre tantas outras características, é a capacidade de olhar para si e tentar mudar. É o maior presente que uma pessoa pode receber: a capacidade da autocrítica, de se auto observar e entender que precisa mudar. E efetivamente mudar.

Mude, mude tanto ao ponto que as pessoas tenham que te conhecer de novo, como dito nesta palestra da professora Lúcia Helena Galvão.

Quinze de agosto de dois mil e vinte e três, aniversário de 60 anos da minha mãe. Comi salgadinhos e docinhos aos montes. Depois, parti e comi uma fatia de torta de limão. O tamanho da fatia poderia alimentar 3 pessoas. Comentávamos, à mesa, que era certo que tinham adicionado açúcar à mistura de leite condensado e limão para deixar mais doce ainda, de tão doce que estava a torta. De limão.

Para encerrar, porque uma hora eu teria que encerrar, me servi de uma fatia de banoffee. Carregada no chantilly e, bom, carregada em tudo que constitui uma banoffee.

Como em muitas vezes na minha vida, terminei o dia achando que, naquele instante, tinha me tornado diabética. As pessoas riem quando digo isso, mas nunca fiz piada com a situação. Era um receio genuíno, de quem se conhece e acumula situações de exagero. Além desse sentimento ruim, me sentia no fundo do poço, como em uma depressão real, a bad trip.

Então, atirada no sofá e sentindo todas as coisas ruins e estranhas que eu só sentia depois de ingerir uma quantidade absurda de açúcar, precedida de uma quantidade enorme de farináceos e outros alimentos salgados que também levavam açúcar na composição, decidi que no dia seguinte, no dia 16 de agosto, não colocaria 1 grão de açúcar na boca, a fim de desintoxicar. Quarto princípio hermético, o da polaridade. Tudo tem seu par de opostos. Dia de muito riso, véspera de pouco siso, como diziam os antigos. O dia seguinte de desintoxicação virou mais alguns dias. E esses outros dias viraram 5 meses.

Tão viciante quanto comer açúcar é não comer açúcar. Me sentia cada vez melhor. Zero alterações de humor. Sentia o corpo desinchando.

Quando parei de ingerir açúcar parei de ingerir qualquer doce. São coisas diferentes. Podemos preparar doces que não levam adição do ingrediente refinado, mas mesmo assim eu não ingeria absolutamente nada de doce algum. Aos poucos, depois de uns 2 meses, comecei a inserir um fio de mel puro nos ovos com banana que preparava de café da manhã. E só. Com o passar da limpeza no paladar, percebemos o sabor doce que existe naturalmente nos alimentos, que satisfaz a vontade de comer doce. Algumas frutas comecei a achar exageradamente doces, a ponto de não conseguir mais comer.

Ah, um detalhe: eu não sou familiarizada com outros adoçantes como o xilitol, estévia e também nunca usei aspartame. Nunca integraram a minha cozinha e quando decidi não comer mais açúcar não fui atrás desses ingredientes industrializados. Os meus hábitos alimentares seguiram sem adição de nada que adoce artificialmente a comida, apenas aproveitando os açúcares naturais dos alimentos, como os das frutas, e usando mel de forma restrita, apenas no prato do café da manhã, e nem sempre.

Durante os primeiros dias sem açúcar, algo incrível e, ao mesmo tempo não incrível, aconteceu. O livro Sugar Blues: o gosto amargo do açúcar apareceu pra mim. Eu li, fiquei sabendo de coisas que até então não sabia e foi o suficiente para fechar o último elo da corrente que eu vinha confeccionando na tentativa de viver de forma diferente. Os elos eram: o mal estar físico e mental, os hábitos alimentares familiares e suas consequências, dores nos joelhos, a vontade de mudar, o estudo sobre o plantio dos alimentos que eu comia e, por último, as informações definitivas sobre o açúcar. Por que o aparecimento do livro é incrível? Porque é incrível como atraímos o que procuramos. Por que, ao mesmo tempo, não é incrível? Porque isso é o que acontece quando colocamos para fora nossas intenções. Semelhante atrai semelhante. Básico.

Chamei de marco zero da informação porque até então eu vivia com as informações dos malefícios do açúcar disseminadas nos veículos de comunicação por todos os tempos e, por último, pelas redes sociais. Informações superficiais e administráveis, enquanto inserida nessa engrenagem de mercado. Olhando agora, absurdas sob o ponto de vista da frase de Jiddu Krishnamurti: “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”. É de outro mundo tomarmos certos absurdos como normalidade. Assim como achamos normal sermos assaltados, achamos normal comermos alimentos envenenados etc.

As informações superficiais e administráveis eram aquelas às quais estamos acostumados, como por exemplo: “O açúcar engorda”. Bom, tudo era uma questão de “equilíbrio”. Se eu comer hoje e ficar alguns dias sem ingerir, está de boa, e ainda posso fazer exercícios, e está tudo sob controle. “Prejudica os dentes”. É só fazer a limpeza correta, ir ao dentista com frequência e está tudo certo. “É uma caloria vazia”. Ok, se é vazia, não trará vantagens mas, também, não fará mal. Eu não tomava refrigerante desde muito nova, por uma questão de gosto, mesmo, e sempre pensava nisso: eu nem tomo refrigerante, então posso me permitir outros doces. E quando chegava o resultado dos exames de sangue anuais, lá estava a glicose em níveis saudáveis e o círculo vicioso recomeçava.

Hoje dou risada porque dentro da minha ignorância, achava que apenas o índice da glicose dentro do aceitável em um exame de sangue era o que bastava para eu me considerar saudável. Não fazia ideia de tudo que o açúcar desencadeia de ruim no organismo, e a engrenagem na qual ele me transforma dentro de um esquema de dominação.

Para cada situação ruim, temos um antídoto, estruturado na gente pelo mercado para que sejamos eternos consumidores de açúcar, mantenedores de impérios – alheios, porque uma população enfraquecida pelo açúcar nunca conseguirá construir o seu próprio império. Mas quando entrei em contato com o marco zero das informações sobre o açúcar, que trouxe a história do ingrediente, de onde ele veio, qual o papel na História, nas guerras, como ele deixou de ser classificado como uma droga tão pesada como a cocaína para virar a base da nossa alimentação, como funciona a engrenagem política e mercadológica dessa droga, tudo fez sentido pra mim. Não precisava mais me debruçar sobre regimes de privação que nunca deram certo. Bastou ter as informações corretas e puff. Acabou. O açúcar não teve mais espaço na minha vida com a facilidade com que a gente soma 1 + 1. Como disse Einstein, a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.

Não é privação, porque privação nunca deu certo pra mim. Foi uma tomada de consciência. Sem abstinência, sem ter que sair correndo na hora do bolo de aniversário de 80 anos da minha avó. Ajudei a servir as fatias, inclusive. Levava camadas de leite condensado cozido e ovos moles. Tudo de que eu já tinha gostado na vida. Eu materializo o gosto dessas coisas na boca. O cérebro decora. O universo é mental. Uma vez dominando a mente, dominamos a matéria. Primeiro princípio hermético e um dos pilares do filme Matrix.

O marco zero das informações sobre o açúcar libertou a minha mente. Sempre que fico diante de um doce feito com açúcar meu sistema límbico mal tem chance de começar a encher o saco. O córtex pré-frontal assume o controle. Fico em paz com tudo que venho fazendo, os estudos sobre plantar o próprio alimento, a reaproximação com o que é natural, o resgate da alimentação que os seres humanos vem executando há milhares e milhares de anos, em detrimento de poucas décadas de lixo alimentar. É como se a vida de antes passasse diante dos meus olhos, seguida da nova, e eu me desse um tapinha no ombro, confirmando o valor do que estou fazendo. E as coisas seguem como se nada houvesse.

É de enlouquecer saber que o açúcar retira as vitaminas do nosso organismo e nos deixa deficientes. Para depois irmos que até a farmácia para repor de forma sintética. Que o açúcar era dado como água para as populações dominadas a fim de enfraquecê-las. Que ele dizimava exércitos. Que a natureza corta um dobrado para produzir algo íntegro, o alimento completo, e que a gente pega esse alimento completo, com vitaminas e todo o resto de maravilhas, e retira tudo que há de bom, ficando com apenas 10% dele, que só nos fará mal.

Quem aí sabia que o processo de refino retira 90% do alimento? Acho que todos nós. Mas é mais uma daquelas informações soltas, que aceitamos como normais. Só percebi a burrice que é isso olhando sob a perspectiva de quem estuda agricultura, que vê os processos sob o olhar da própria natureza. É muito errado, mas o óbvio precisa ser dito, como diz a frase.

Imagina você pedir uma maçã a alguém, e essa pessoa te entregar apenas o meio da maçã, onde ficam as sementes e o cabo. Você aceitaria? Aliás, você chamaria esse resto de fruta de maçã? É o que acontece com o arroz branco, por exemplo. Ficamos com o fiapo dele e chamamos de arroz. Existe “maçã integral”? Não. Mas existe “arroz integral”, que na verdade deveria, esse sim, ser chamado de “arroz” apenas. Não é de acreditar que a gente aceita essas coisas como normais.

A natureza trabalha para nos dar alimentos bons, de luxo, e a gente estraga eles, fica doente, dá dinheiro para as indústrias dependentes do nosso mal-estar e era isso. Essa é a história da nossa vida. E a gente aceita. Acha normal.

Há anos venho acompanhando um tumor no cérebro. Faço ressonância constantemente e ele sempre esteve na mesma. Inchava e desinchava, às vezes, por conta de alguns remédios, segundo o médico.

Meu médico é um bom médico. Eu diria até que um excelente médico. Ele é o especialista nisso. Seu TCC e todas as suas teses são sobre isso. Só vê imagem disso. O curioso é que uma vez perguntei se tinha algo que eu pudesse fazer para reduzir ou até fazer sumir. Brinquei que se ele dissesse que eu teria que parar de comer doce eu pararia naquele dia. Mas ele foi categórico: não há nada que se possa fazer. Pois quando completei 1 mês sem ingerir açúcar, coincidiu com a ressonância agendada. O tumor tinha reduzido.

Os médicos da medicina ocidental não estão interessados no que a gente come, que na verdade é tudo o que a gente é. Quando ouço deles “Vida normal!”, me pergunto: o que é vida normal? Aquela do pedaço de torta que alimenta 3 pessoas? Essa era a minha vida normal.

Tem outra frase atribuída ao Einstein mas, sabe como é, nunca saberemos: “Loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”. Eu busquei fazer diferente, e fiz.

Não tenho mais a inconstância no humor. Foco na refeição que estou fazendo no momento, em vez de ficar pensando ansiosamente no doce que estaria por vir. Zero ansiedade. Desinchei e tenho mais disposição. Como diz o livro Sugar Blues, o blues da expressão recorre ao estilo musical que canta o lamento, a tristeza, fazendo referência à sensação de tristeza, de letargia, de não querer mais lutar pela vida. Isso eu não tive mais.

Lembrando que o sabor doce existe naturalmente em alguns alimentos. É um sabor presente na natureza, assim como o ácido, o amargo etc. Então eu não deixei de comer alimentos doces. E nesse sentido, é incrível como as frutas e algumas hortaliças ficaram mais doces ainda. A cenoura é extremamente doce e eu nem sabia – a orgânica, né. Eu não suportava banana caturra e hoje vejo o quão doce ela é, consigo até comer in natura. Antes eu preferia apenas a catarina e deixava a caturra para as batidas e farofas. Ou seja, voltei a sentir o real gosto dos alimentos. Não é exatamente o que acontece com ex-viciados em cigarro?

Não digo mais “Preciso de um doce agora”. Isso era o vício, depender do açúcar para seguir com as atividades do dia.

As pessoas comentam sobre a minha história dizendo “Como que eu nunca mais vou comer um doce?”. Esse é um pensamento autosabotador e de alguém que não quer mudar os hábitos alimentares. Pensar na imensidão de toda uma vida pela frente é apavorante, sim, e as pessoas se agarram a isso para justificar continuarem com os mesmos hábitos.

Não ingerir açúcar, para quem sempre ingeriu é, sim, como a vida de um ex-viciado em drogas – porque é o que o açúcar é, uma droga: vive-se um dia de cada vez. A cada dia que eu não como açúcar, fico realizada, me sinto bem e não sinto falta alguma. Sei que estou fazendo o bem para o meu corpo e a minha mente.

Não precisa ser algo apavorante, não precisa ser um fardo, uma corrente a ser carregada. Se um dia, viajando e visitando algum lugar pitoresco, quiser provar uma iguaria que leve açúcar no preparo, talvez eu coma, talvez não. Seria uma exceção. O que não pode é a exceção virar a regra.

Todos os dias acontece alguma coisa relacionada à comida: aniversário de alguém, celebração de algum acontecimento, vontade de reunir as pessoas e comer algo “legal”, algo “diferente”, ou a vizinha que preparou um bolo, largou na casa da sua mãe e agora ela quer que você se encarregue de desovar. Se formos atender a todas as solicitações alimentares, nós nunca vamos nos impor sobre a situação. Levaremos uma vida sem autogoverno e precisamos justamente governar a nossa vida, estabelecer como vamos levá-la e nos mantermos firmes. Não somente no campo da alimentação, mas relacionado a tudo.

Se eu ganhasse 1 real a cada vez em que ouvi “come, Juci, só hoje” durante esses 5 meses, estaria bancando férias em um resort 5 estrelas agora.

As pessoas que falarem que é bobagem tua, que é besteira, que zombarem da tua nova vida, na verdade estão frustradas pelo fato delas mesmas não conseguirem. Elas tentam, com essas palavras “encorajadoras”, fazer você sucumbir.

Vou dizer uma coisa para vocês: eu sou uma ex-usuária de açúcar bem legal. Eu não fico apontando o dedo para as pessoas, não puxo esse assunto nunca, pelo contrário, são as pessoas que querem falar sobre isso, inclusive ajudo a servir as tortas, os docinhos. Eu sei a sensação de prazer que eles provocam, eu sei da satisfação que é para o paladar aqueles poucos segundos na boca. Jamais vou maldizer da comida que alguém está comendo. Isso é falta de educação e sei disso desde pequena. Não fazer cara feia à mesa, respeitar o momento de refeição do outro.

Eliminei um vício alimentar para obter saúde. E como consequência, eliminei alguns quilos. Perdi 5 kg apenas não ingerindo mais açúcar. Sei disso porque estava sedentária. E meus joelhos agradecem. Os outros 3 kg eu perdi reajustando os horários das refeições e as quantidades. Mas isso é papo para um outro post, sobre um outro livro.

Parte do restante da parcela de gordura que eu ainda tenho seria a porção que eu poderia perder se fizesse exercícios regulares. E essa é outra parte da minha vida que estou tentando mudar. Afinal, a vida no campo exige não somente os estudos que realizo mas, também, músculos – qualquer vida, na verdade.

Sei que alguns dos grandes benefícios da não ingestão açúcar não são visíveis, como baixar o risco de desenvolver diabetes, além dos de longo prazo, como reduzir as chances de desenvolver demência, entre outros.

Obrigada por ter lido até aqui. E não esqueça de sempre conversar com os teus médicos antes de tomar qualquer decisão. Saúde é coisa séria e aqui temos apenas o meu relato, para inspirar você a buscar saber sobre como mudar os hábitos alimentares para melhor.

A quem interessar possa, os dados do livro são: Sugar Blues: O gosto amargo do açúcar, de William Dufty, Editora Ground, oitava edição, 2009.

E agora quero saber de você: já conseguiu mudar vícios alimentares? Como foi o processo? Comenta aqui ; )

Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *