Sempre amei estar em ambientes de mata. Respirar ar de qualidade e entrar em contato com a natureza são grandes fontes de energia para começar o ano zerado e foi a nossa escolha para os primeiros dias de 2024. Também não há jeito melhor de celebrar o aniversário do Bruno e da nossa união do que junto à natureza.
Permanecer o máximo de tempo possível perto do verde virou um objetivo de vida. Tanto é que orquestrou mudanças na nossa vida no trabalho, na moradia e nos estudos. Aprendendo sobre agricultura consigo compreender muitos processos naturais e enxergo a vida com outros olhos. E voltar aos lugares que já são meus velhos conhecidos tem sido uma experiência incrível, pois vou aperfeiçoando a compreensão do que experimento.
Dia 4 de janeiro, uma quinta-feira, às 9h40 voltamos ao Parque do Caracol. A Cascata é das maravilhas naturais que não me canso de ver. É linda em dia de sol, de chuva e nublado. E sua força energética vai para além da beleza sublime: ela também é um ícone na história da minha família.
Eu, com 4 anos. Minha mãe, Juçára, com a minha irmã, Cíntia, no colo. E o meu pai, Emídio, com uma expressão de quem não tem nada a ver com o tripé que ele montou sobre o mirante da cascata para clicar a nossa foto. Desde então, voltamos sempre, acompanhando as mudanças no parque ao longo do tempo. A começar pela corrente que nos isolava do penhasco. Confesso que junto à paisagem fica discreta em detrimento das grades de hoje, que fazem a gente cortar um dobrado para que não apareçam nos registros, cobertas de enfeites de Natal.
Antes podíamos chegar à vontade no mirante. Hoje, enquanto houver gente fotografando com o profissional de lá, aquele da foto paga, é preciso entrar numa fila, pois liberam as pessoas aos poucos.
Eu com cara de choro. Fui gravar um vídeo para a minha família com a Cascata do Caracol ao fundo. Mirei na descontração e acertei na emoção. Quando criamos boas memórias elas vêm embaladas em gratidão e nostalgia.
Olhando ambas as fotos, a de 1989 e a de 2024, fico feliz em ver que as 5 araucárias, à esquerda do topo da queda, permaneceram. São signos significativos para mim desde criança. Toda vez que olhava as fotos do passeio, os palitinhos de tronco perto da queda chamavam a minha atenção. Então, sempre que chego lá e olho direto para as cinco araucárias penso: Ufa, está tudo certo com a mata. Vocês também têm isso com outros lugares? Pontos de apoio indicadores de que tudo vai bem?
É interessante a revolta do ser humano com o efêmero. Eu comentei que tomei a leitura do Caibalion como ritual de passagem de ano novo e, no capítulo 4, sobre O Todo, ele fala que por debaixo da mudança está “a realidade substancial – a verdade fundamental”. É difícil pra gente lidar com tanta mudança na vida, por isso precisamos de bases sólidas, que não mudem, para que consigamos tocar em frente. Vou falar mais sobre isso ao final do post.
Falando em araucárias, subimos na torre de observação. O elevador abre as portas e a massa de gente corre para disputar um lugar diante do vidro com vista para a cascata. Eu permaneço em frente à porta do elevador, admirada por estar na mesma altura que as copas das araucárias.
Enquanto em terra firme, penso na visão privilegiada das aves que podem chegar ao topo das majestosas árvores. De repente, estou lá, então preciso sorver o momento.
Um detalhe interessante da vista do observatório é a corredeira acima da cascata, por onde passa a água que ainda não sabe que fará parte de um dos cartões postais mais lindos do Brasil, abraçada por esplendorosos paredões de basalto.
Há uma trilha que costeia a mata ciliar acima da grande queda. A oportunidade de sentir a força da água. É energizante, revigorante, fascinante. É onde o som da natureza supera o barulho que as pessoas produzem – barulho que consegue fazer você esquecer que está em um lugar de paz, de comtemplação, de cura.
Pensando nisso, gosto de visualizar a Cascata do Caracol com essas molduras naturais. Me coloco no lugar dos povos antigos que tinham o privilégio de visualizar o espetáculo imersos no todo verde. Hoje é tudo muito voltado para o entretenimento. Quando você se conecta com o som da força da água vem alguém e toca um sino chato hahaha, que fica por ali. Quando mentaliza o privilégio de poder presenciar o sublime vem alguém gritando com um familiar do grupo de passeio. Eu faço esse esforço mental de me descolar do tempo em que vivo e transportar para uma época em que a cachoeira de 131 metros de altura não fique banal.
Paredões de rocha nos acompanham ao longo da trilha até a Cascata do Moinho.
Um dos pontos da trilha antes da grande queda. As plantas que conseguem sobreviver à correnteza também têm sua força comprovada pelos maciços de verde que se apoiam nas rochas entre a bifurcação da queda da água. A chamada força da natureza está presente tanto naquilo que passa quanto no que permanece.
Detalhe das plantas que se desenvolvem literalmente no meio das quedas. As forças da natureza de passagem e de permanência.
O Bruno encontrou essa rocha cheia de cristais em uma das pedras que demarcavam a trilha. Impossível caminhar por ela depois e não ficar cuidando cada uma. Na parte de baixo da foto, uma semente alada que voou até ali na esperança de cair em uma área com possibilidades de desenvolvimento.
A barragem, localizada acima das corredeiras da Cascata do Caracol. Ela e o moinho foram construídos em 1938, durante a administração de um dos herdeiros da família alemã Wasem, para a geração de energia elétrica e de fornecimento de farinha à comunidade do Arroio do Caracol. O herdeiro, Pedro Nunes, também construiu a casa onde funciona o Centro Histórico e Ambiental do Parque do Caracol, que vou mostrar em uma outra postagem.
A família se estabeleceu na região chamada “fundos do faxinal” à época de 1867 e a cachoeira era chamada de Cascata Wasem. Por volta de 1900 surgem os primeiros hotéis, comércios e casas de veraneio. A região dava os primeiros passos em direção ao turismo e Pedro Nunes percebeu isso. Foi em 1954 que o governo do Rio Grande do Sul estabeleceu que as terras do parque eram de utilidade pública. Em 1968 são transferidas à administração de Canela e em 1973 o parque é inaugurado.
Uma árvore-mãe. A araucária gigante é abrigo para os animais, as plantas e a microvida. Guarda informações de tempos remotos da floresta ombrófila mista que compõe o parque e assegura um ecossistema equilibrado, auxiliando as plantas jovens com a sua experiência de vida e compartilhando nutrientes. As araucárias foram a grande economia do nordeste do Rio Grande do Sul em tempos passados. Em 1913 foi instaurada a Companhia Florestal, que extraía madeira no Caracol. A família Corso era atuante no mercado madeireiro, cujo casarão construído em 1958 hoje abriga o restaurante Magnólia. Muito da madeira presente na casa foi preservada e nota-se o material de grande qualidade que ainda é.
A resina, em um magnífico tom âmbar, é expelida depois da árvore sofrer um trauma, para cicatrizar a área lesionada e impedir a entrada de organismos nocivos. Povos nativos usavam para auxiliar a cicatrização de feridas. A natureza é inteligente, tem mecanismos próprios e admiráveis para se manter de pé e em harmonia. A gente tem muito o que aprender com ela porque estamos em constante “desarmonização” natural.
Líquens, bromélias e pequenas samambaias vivem sobre a sua pele espessa.
Este fungo parece um coral do mar. Lembra o princípio da correspondência de Hermes Trismegisto. “Assim em cima como embaixo, assim embaixo como em cima”. Neste caso, assim como na água, na terra. Enquanto os corais comem organismos vivos, os fungos saprófitos se alimentam de matéria orgânica morta. Vespinhas e formigas andam sobre suas pétalas. A vida acontece sobre o fungo que se alimenta.
Quem desceu – e subiu para contar – não esquece. A escadaria da Cascata do Caracol, também chamada de Escada da Perna Bamba, tinha 730 degraus, o equivalente a um prédio de 44 andares, e levava a uma imersão na mata até o mirante final, aos pés da queda da cascata. A estrutura lá embaixo atravessava toda a área de água, nos levando ao outro lado, um espaçoso mirante. A atração sofreu com um temporal em 2015 e desde então está interditada. Um projeto de reconstrução, com menos degraus, foi elaborado mas nunca executado. O intrigante é que, no site do parque, a escadaria consta como uma atração disponível hoje.
Procurando as fotos (que ainda não localizamos) encontramos o vídeo da empreitada que fizemos em 1997. Extraí algumas imagens dele:
Eu descendo à frente, ao meu lado direito a Cíntia, minha irmã, e logo atrás a Jaira, minha prima.
Lá está o mirante da vitória, junto aos gigantes rochosos.
Vista a partir do mirante final, olhando para a estrutura da escadaria.
Meu pai e eu descansando durante a subida de retorno, em um dos locais de parada.
Seria incrível ter a escadaria funcionando para fazermos esse grande exercício como um bom início de ciclo. Com certeza estaria no meu roteiro de experiências para começar o ano com o pé direito. Suar bastante, liberar toxinas, conectar com a natureza, receber o banho da bruma da cachoeira lá embaixo, uma verdadeira bênção. #VoltaEscadariaCaracol!
A escadaria era de livre acesso na época. Porém, observando a cobrança feita nos espaços naturais hoje, em que a cada passo temos que pagar, talvez cobrassem o acesso à escada, assim como a do observatório que não está inclusa no preço da entrada.
Ainda não conhecia o restaurante atual do parque, o Sabor e Flor. Como é o único na área, fiquei desconfiada mas me surpreendeu de forma positiva. Tanto na versão livre quanto por quilo, a comida é feita no fogão à lenha com várias opções de saladas, carnes assadas, massas, lasanha, além das friturinhas.
Um dos ambientes do restaurante. Adorei as luminárias feitas de troncos, gravetos e cipós.
Para quem não optar pelo bufê, há o cardápio, cestas de piquenique, fondues, sopa de capeletti, canja, caldo de feijão, a la minuta, cafés, salgados, pastéis fritos ou assados, porções, xis e cervejas artesanais. E mil e um sucos de frutas, de melão a amora.
Os valores são caros mas nós estávamos, nos últimos dias, de restaurante em restaurante no centro de Canela, comendo pratos prontos muito elaborados, com molhos cheios de gordura, que quando botei o olho na dupla arroz e feijão do bufê não pensei duas vezes. Perguntamos à dona se não havia intenção de colocar um restaurante no centro. Por enquanto, há apenas um projeto para implementar um segundo restaurante no Parque Vale dos Canyons, que é da família. Seu Divino, dono do lugar, é pai dela, com quem conversamos quando fomos passear por lá. Você pode conferir no post sobre o lugar.
A seguir, alguns registros de aspectos que chamam a atenção e que tem muito a ver com a dificuldade que temos em lidar com algumas mudanças, sobretudo em ambientes naturais. Em 2014, lembro da ponte de madeira na área do artesanato e de um ambiente ainda bem rústico, como na foto a seguir:
Hoje, fiquei impactada com as quase autoestradas dentro do parque. Asfalto que evita a infiltração de água no solo, acumulando em outra área e que pode levar a erosões, além de árvores e plantas derrubadas dando lugar a todas essas vias. Muita modificação em um ambiente natural:
Acima, um grande estacionamento também foi feito na área de mata. O profissional orientava cada condutor a estacionar o veículo apenas em uma lateral. O restante da área pavimentada estava vazio. Lendo a placa vermelha, vimos que evitam que as pessoas coloquem os carros debaixo das araucárias poupadas do corte, por risco de queda de galhos. Ou seja, desmataram para fazer o estacionamento e nem consegue-se usá-lo na totalidade. Ao lado, um registro da limpeza das áreas de entretenimento. Só que o que está sendo recolhido não é o lixo, mas a matéria orgânica que cai das árvores e que compõe a cobertura de solo luxuosa que toda árvore e planta almeja ter.
Essa cobertura natural cria um solo vivo e rico em nutrientes para as plantas, com capacidade para receber a água da chuva, ou seja, faz a infiltração correta e evita o escoamento direto da água, que cria a erosão, que leva junto tudo que tem pela frente.
São as mudanças feitas para que o parque se pareça mais com o pátio da tua casa do que com uma floresta. Por um lado, entendo alguns melhoramentos, mas talvez pudesse ser estudada outra forma de acomodar os carros, por exemplo. Em vez de retirar parte da Mata Atlântica à qual a fauna já estava integrada, talvez criar esse espaço colado na estrada, talvez do outro lado, inclusive. Não teria o problema dos galhos caindo sobre os carros, pois poderiam plantar novas árvores, adequadas para proporcionar sombra.
Quando vejo concreto e asfalto chegando em área de mata, fico nervosa. E quando não dá certo, então, dá mais nervoso ainda.
Usei o máximo de zoom possível para captar esse grande depósito de garrafas PET junto à corredeira da Cascata do Caracol. Eu sinto tanta coisa ruim ao mesmo tempo quando vejo algo assim que nem consigo formular uma frase que demonstre a tristeza pontiaguda que atravessa meu peito. A água que constitui a Cascata do Caracol vem do Arroio Caracol, que recebe o esgoto das cidades de Canela e Gramado. Ao longo da trilha das corredeiras há placas proibindo banhar-se, complementando que a água é imprópria para consumo. Nem tudo são flores em um passeio no parque dos mais lindos. Os parques refletem a vida daquela comunidade, que por sua vez ecoa um comportamento que existe na humanidade.
E por falar em humano, se tem algo que nos diferencia dos outros animais não é apenas o fato de nos colocarmos de pé, sobre duas pernas, mas também de joelhos diante de algo que reconhecemos como belo, sublime, eterno. É com essa imagem que prefiro encerrar essa experiência, torcendo para que consigamos colocar o desenvolvimento humano em foco novamente, como faziam as civilizações antigas, deixando o material um pouco de lado.
Fontes das informações históricas e ambientais: matéria 1, matéria 2 e matéria 3.
Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.