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A Árvore-Mãe, de Suzanne Simard, foi o livro que fez o meu ano de 2023

O trabalho da Suzanne Simard, de trazer para o conhecimento da humanidade a incrível rede de comunicação da floresta, por meio da qual as árvores sabem onde estão suas filhas, já me fascinava. Lendo seu relato, no livro A Árvore-Mãe | Em Busca da Sabedoria da Floresta, fui surpreendida, pois não sabia que ela escrevia tão bem como romancista. Embora uma obra de não ficção narrada em primeira pessoa, seu diálogo conosco é tão apaixonado, tão especialmente detalhado, que é como se ela estivesse criando o universo mais espetacular que qualquer obra ficcional já descreveu.

Ela poderia ter escrito um livro técnico ou, ainda, um livro próximo do leitor, porém, direto ao ponto de como ela chegou àquelas conclusões. Mas Suzanne escolheu o caminho, por pressuposto, mais difícil, que é passar a limpo a sua trajetória de vida, entremeada com a jornada da pesquisa, ambas se desenvolvendo como duas plantas escalando uma treliça, se emaranhando a ponto de não sabermos mais qual é qual.

Não há nada que fique no caminho entre você e esse livro. Ele planta em nós uma urgência em saber o que acontece no próximo parágrafo, na página seguinte. A escrita de Suzanne é envolvente.

Isso se deve, e muito, à tradução sensacional atribuída à Laura Teixeira Motta. Inclusive, costumo fazer anotações durante a leitura em folhas de caderno separadas, com insights e frases destacadas – às vezes no próprio livro. No caso da A Árvore-Mãe, recomendo ter uma folha (ou mais) para anotar um glossário com os termos da biologia, desde nomes de plantas com as quais não temos familiaridade, passando por nomes de animais e elementos da paisagem, até nomes de partes da planta, pois é incrível a riqueza do vocabulário natural que não dominamos. Ao mesmo tempo, é interessante manter uma outra folha (ou mais) para anotar as palavras que você não conhece ou que faz tempo que não ouve e não lembra o que quer dizer, porque esse livro é uma incursão não somente floresta adento mas, também, pela língua Portuguesa, no imensurável cardápio que ela oferece para chegarmos o mais próximo do que foi dito pelo autor em seu original. Lembremos de Mario Quintana: “Quem acredita em sinônimos, não acredita que existam diferentes tons de cor”. Tem uma palavra na nossa língua para expressar cada coisa dessa vida, desse mundo e dos outros.

A obra é um belo presente, agora que chegam as datas de final de ano, para aquela pessoa que você conhece e sabe que ama estar próxima à natureza, ou que adora pesquisa e descobertas científicas ou, ainda, que se amarra a uma boa história da vida real. A capa ainda traz a linogravura de Evelyne Bouchard, Jardins des plantes, arte feita em 2009, na França, e no interior do livro, algumas belíssimas fotos das florestas da Colúmbia Britânica, no extremo oeste do Canadá.

A Árvore-Mãe foi lançado em 2022, mas Suzanne realizou e publicou sua pesquisa nos anos 1990. Então não se engane com os mil e quinhentos livros que surfam na onda do assunto hoje, caso você queira chegar ao que chamo de marco zero da informação.

O relato da Suzanne me lembra uma conversa que sempre temos em casa, do quanto as coisas estão muito segregadas hoje. É difícil ter uma vida íntegra. As pessoas estão muito oito ou oitenta, preto no branco. Vivem desmembradas do todo. Isso vem gerando brigas, separações.

As respostas que a ciência tenta desvendar vêm de questões humanas. Nós, seres complexos, incertos e ignorantes – por natureza – queremos obter respostas, filosofamos para entender, para sermos melhores, para ajudar aos outros. E vemos isso na Simone, uma cientista que antes dos métodos, dos dados, é sensível, é um ser humano, enxerga não somente o campo concreto, mas também os sutis. Suzanne está inteira na sua jornada.

Tem outra questão que discutimos em casa e que A Árvore-Mãe nos faz revisitar: como pode, na natureza, tudo estar em harmonia e a gente não fazer parte disso? Sempre pintaram para nós o quadro da competição entre as plantas quando, na verdade, a cooperação é o que impera na floresta – em todo o reino animal e vegetal, a bem da verdade. Cada ser tem o seu lugar, sua função e interação, tudo está em equilíbrio e a gente totalmente à parte disso, desajustados, alheios, destruindo, egoístas. Esse não é somente o quadro da competição, mas o quadro da dor, como diz a expressão popular.

São apenas algumas reflexões que o livro pode fomentar. O desenrolar da história é muito rico em termos de como o uso da terra foi mudando ao longo dos tempos. Suzanne é tão competente em recriar os cenários para nós, leitores, que conseguimos ver a paisagem mudar com o passar das décadas e das técnicas.

O ano de 2023 foi o ano da leitura, graças ao sítio, e também o ano das mudanças, graças às leituras. Nunca li tanto na minha vida e a cada dia uma ideia se torna mais forte: a natureza está aí para nos aperfeiçoar, para nos fazer melhores. Minha vida sofreu mudanças na medida em que fui me envolvendo com o sítio e estudando os processos naturais. E durante os estudos, esbarrei nessa questão em palestras filosóficas da professora Lucia Helena Galvão e também na obra de Masanobu Fukuoka, que diz que plantar o próprio alimento, antes de dar frutos, dá seres humanos melhores. A agricultura (não o “agro”) está aí para que melhoremos como pessoas, enquanto plantamos e aprendemos os processos da natureza.

Como a própria Suzanne diz, não é sobre como podemos salvar as árvores, mas sobre como elas podem nos salvar.

A Árvore-Mãe está na minha lista de leituras para as quais sempre voltarei.

E agora eu quero saber de você: qual foi o livro que marcou o teu ano de 2023?

Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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