Crônicas,  Vida e Carreira

Quem se comunica se complica

 

Sou só eu ou vocês também não estão conseguindo se fazer entender? Às vezes tenho a sensação de que estamos em uma grande festa com música no volume máximo, em que um fala “Eu acho que o Clint Eastwood devia ter sido indicado ao Oscar” e o outro responde “Pois é, eu preferia o Bial apresentando”. O que se passa? O que eu perdi?

Tenho certeza absoluta que, no ano de 1923, nenhuma pessoa reclamava do sistema de comunicação. Nenhuma. Eu garanto. Coloco a minha mão no fogo. A galera em 1923 marcando rolê via pombo correio, super feliz, e eu aqui, bem servida de tecnologia, apps e jogando a toalha já. É como estava escrito em um meme: nessas horas eu queria que a Terra fosse plana para eu poder pular da borda.

Sério, o que está acontecendo? Gente que me conhece parece não saber mais quando estou brincando. Ainda mais agora que qualquer assunto se tornou politizado. Se você está descontente com alguma coisa, com o preço da batata, por exemplo, e comenta sobre isso, recebe uma resposta embalada pelo sentimento guardado da chinelada que a pessoa levou em 1980 do pai. Ou, eu posto sobre o vidro do meu carro quebrado por vândalos e as pessoas comentam “Linda”. Sério, vamos voltar à aula do ensino fundamental sobre interpretação de texto, a capacidade de compreender do que o outro está falando.

O fato é que, no mundo da comunicação, ela não é o que você diz mas, sim, o que os outros entendem. E do jeito que a coisa vai, com as pessoas respondendo a outras doze ao mesmo tempo, enquanto curtem trinta e cinco fotos simultaneamente, no mesmo segundo em que dizem para o motorista “Pode ir pela Getúlio”, não vejo um futuro bonito à frente. E diante desse cenário, tenho duas alternativas: ou eu tento me comunicar com as pessoas ou eu fico em paz com elas. Já percebi que querer as duas coisas é muita ganância.

Consequência disso: fiquei mais na minha. Eu não queria admitir isso mas estou tentando construir um raciocínio aqui porque, realmente, quero entender melhor esse cenário e viver de modo pacífico neste contexto embaçado. Parei de marcar as pessoas em postagens que acho que elas iriam gostar, deixei de mandar conteúdos que tinha certeza que poderiam contribuir para os assuntos sobre os quais elas têm interesse. Tento, com todas as minhas forças, não responder de forma sarcástica, ou piadista meio ácida, porque a pessoa me liga para se desculpar ou para soltar os cachorros. Não compartilho meus problemas porque não quero mais receber apenas um emoji ou um “Putz” como resposta. E detalhe: cheguei a avisar as pessoas em 2018 que eu teria um comportamento diferente nas redes sociais – embora algumas não tenham prestado atenção.

Isso de fazer cinquenta e três coisas ao mesmo tempo, mais o problema da interpretação de texto, pois passamos de linguisticamente capazes para analfabetos funcionais, somados à politização de tudo, pois não há mais discussão de ideias: escolha o seu lado e acabou ou, pior, deixa que as pessoas escolhem um para você, aliado a uma falta de empatia geral, está me fazendo ficar cada vez mais descrente de que podemos nos entender.

Às vezes acho que foram as relações que mudaram e eu é que não estou conseguindo acompanhar. Ainda trago a educação que recebi nos anos oitenta, em que alguém me conta algo e eu presto atenção, ouço, leio, fico em cima do assunto até sentir que realmente ajudei e que a pessoa obteve o que precisava. Se acontece algo ruim, triste, com alguém, sigo perguntando e me interessando pelo assunto até que esteja tudo bem. Também nunca emiti uma opinião sobre o conteúdo que alguém me enviou sem nem ter aberto e conferido. Acho o mínimo. E isso acontece muito. Já recebi muita resposta padrão sobre assuntos que tentei abordar, que se a pessoa tivesse visto mesmo, lido, clicado, teria me respondido outra coisa. Mas, mais uma vez, talvez eu ainda não esteja adaptada a essas novas relações. E talvez eu nem queira. Pois se é para criar um personagem “assim como você, eu também não ligo”, então não quero. Por outro lado, se eu agir com cem por cento do meu coração e esperar o mesmo das outras pessoas, serei uma eterna insatisfeita e deprimida. Então, não sei como agir.

Também considero que posso ter errado em muitos casos. Posso ter dito poucas palavras achando que a pessoa ia compreender quando, na verdade, eu devia ter escrito mais. Ou devia ter gravado um áudio mesmo, para evitar qualquer desentendimento. Só que não gosto de áudios. Gosto de escrever um bloco de texto já dizendo o que quero, o que acho ou o que vou perguntar, para que a pessoa possa visualizar e pensar a respeito previamente. E gosto quando fazem isso comigo. Considero educado, sensível. Aquela coisa de dizer apenas “Oi” e esperar que a pessoa responda para daí, sim, pedir mil reais emprestado é de matar. Mas, enfim, quero deixar claro que tenho noção de que posso ter culpa nos mal-entendidos.

Por enquanto, estou tentando me proteger e falando o menos possível. Tento responder o essencial, embora algumas pessoas consigam despertar em nós o bicho da falação. Sabe quando tu está super orgulhoso do teu desempenho naquela conversa, tá tudo saindo super certo, tudo sendo entendido, tudo educado e tranquilo e, de uma hora para outra, começa a desandar, a pessoa consegue te tirar da paz interior?

Veja bem, este não é mais um daqueles textos falando do quanto as redes sociais afastaram as pessoas e blá blá blá. O buraco é bem mais embaixo. O que temos em mãos, hoje, é maravilhoso. O ser humano é que consegue usar errado. Só isso. E este também não é aquele tipo de texto “prefiro as conversas olho no olho”. Sabe por quê? Porque elas estão tão ruins quanto. A gente vai perdendo a capacidade de conversar, dialogar, debater. Escutar, então, o que é isso?

As redes sociais são tão nós mesmos, o self – as selfies –, que quando dialogamos com a pessoa cara a cara, ela acha que ainda está no perfil do Instagram dela. Lembro que tinha uma indicação de lugar para um amigo visitar, então primeiro perguntei se ele tinha ido lá. Como a resposta foi negativa, comecei a falar da sugestão e ele, então, emenda discorrendo em quais outros lugares esteve, quais restaurantes, o que comeu, o que fez depois e assim se passaram duas horas de monólogo, dele falando sobre ele mesmo (himself) que, quando terminou, eu nem lembrava mais porque tínhamos começado.

Acho que a profecia descrita nas obras de George Orwell já se concretizou. Temos apenas alguns caracteres para nos expressarmos, lemos pouco e cada vez mais somos encorajados a brigarmos e nos polarizarmos em vez de discutirmos saudavelmente. Quanto mais incompreendidos e desunidos formos, melhor para quem estiver lá em cima.

Não sei como terminar esse texto porque ainda estou tentando me achar no meio do tiroteio. Então, deixo aqui uma pergunta: e agora, Chacrinha?

 

Composição de imagem e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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