Por aí,  São Paulo

Vi o acervo do MASP antes da exposição Histórias das Mulheres, e fez toda a diferença

Nesta situação, a ordem dos fatores alterou e muito o produto. Na sexta-feria passada, fui ao MASP, em São Paulo, sem tomar conhecimento de quais exposições aconteciam, exceto o acervo, claro. E como meu marido ainda não conhecia o museu e adora pinturas realistas em estilo clássico, achei melhor começarmos pelo acervo mesmo, no andar mais alto, já que não tínhamos muito tempo até o fechamento do espaço. Picasso, Monet, Renoir, Di Cavalcanti, Portinari, van Gogh, Matisse, Modigliani. Aquela enxurrada de artistas homens. Depois, quando no andar de baixo, na exposição Histórias das Mulheres, o choque foi grande. Somente obras realizadas por mulheres, tanto quadros como bordados. Pinturas que nem sei como explicar para vocês tamanha perfeição e beleza. Esse contraste entre a exposição do acervo e a exposição das mulheres nos fez pensar sobre as artistas de talentos incríveis que nunca tiveram suas histórias contadas, seus quadros exaustivamente expostos e publicados, comentados e ensinados nas escolas, como acontece com os homens do andar de cima.

Isso me fez lembrar da exposição Tarsila Popular, que tive a felicidade de vivenciar também no MASP, em junho. Lembro que na época tomei em mãos o livro de português, literatura e gramática que guardei do tempo do colégio, um livro de estimação, para matar a curiosidade e ver o que ele dizia sobre a Tarsila, pois lembrava vagamente que um de seus quadros aparecia. E foi só tristeza: a obra Antropofagia aparece somente para ilustrar a parte sobre o modernismo no Brasil, com apenas a legenda mencionando seu nome. No texto do livro, um título como “Tarsiwald” para registrar que o casal começou o movimento antropofágico. Apenas. O livro não faz menção a ela como uma artista mas, simplesmente, como a mulher de Oswald, este com um texto exclusivo, claro.

O curioso é que, ainda no andar do acervo, deixamos para ver por último uma instalação muito interessante que acabou fazendo a ligação para a exposição das mulheres. A obra contava com muitos livros à disposição dos visitantes, para que folheassem e interagissem. Todos os livros cujas capas tratavam de alguma artista mulher tinham as páginas em branco. Já os livros que contavam sobre os homens artistas têm as páginas impressas. Bem o que acontece no meu livro do colégio, bem o que sempre nos foi transmitido: a história escrita por homens, para homens e sobre eles. Então, quando descemos para a exposição das mulheres, tudo se amarrou e se completou.

 

Alguns dos livros da instalação de que falei. A ideia surgiu a partir das tentativas de contato das artistas Ditte Ejlerskov (dinamarquesa) e EvaMarie Lindahl (sueca) com a editora que publicava uma série de livros sobre os maiores nomes da arte. Elas questionavam a ausência de livros sobre as artistas mulheres. Mas parece que a responsável pela editora, uma mulher, se esquivou.

 

A exposição sobre as artistas mulheres até 1900 é de cair o queixo. A perfeição, o detalhamento, o trabalho de luz e sombra, as cores, os bordados, tudo incrível. Muitos bordados não têm registro de autoria, mas a mostra justamente exibe essas peças junto aos quadros para mostrar que as mulheres sempre fizeram arte, mesmo enquanto as classificavam apenas como “mulheres prendadas” e não artistas.

 

A Hora do Pão, de Abigail de Andrade. Me chamou a atenção as várias ações em torno dessa “hora”, como a senhora que joga algumas moedas ao menino para que compre pão. O bebê que sobe as escadas e que carrega um pão maior que ele. O bebê no colo que quer pegar os pães.

 

Ateliê de Abel de Pujol, de Adrienne Grandpierre-Deverzy. O trabalho de luz e sombra é uma coisa de louco.

 

Beduíno, de Berthe Worms.

 

Pintura de Henriette Browne.

 

Retrato de Criança, por Berthe Worms.

 

Autorretrato de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun.

Tivemos sorte pois a exposição teve seu encerramento no dia 17 de novembro. E foi sorte também termos visitado nessa ordem, que tanto nos ajudou a refletir sobre os holofotes do mundo das artes sempre voltado aos homens. Quantas artistas mulheres ainda devem estar escondidas, não lembradas, de cujas obras maravilhosas ainda somos privados. Aguardemos por mais exposições.

A foto de capa deste post, do busto feminino, é do quadro de Berthe Worms.

Fotos e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *