A gente passa a vida sabendo que nossa cor de cabelo é castanho-claro e de repente a vida diz “não, não, querida”, e tudo que resta é nos curvarmos ao fato de que estávamos equivocados sobre um ser do qual vivemos embriagados vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Mas não temos culpa. Nem percebemos que nutrimos uma determinada visão sobre nós mesmos que pode estar desconexa da realidade. Esta é a maior prova de que enxergamos o mundo com os óculos da subjetividade. Seguem aqui as cinco pessoas que eu achava que era, e que descobri que tudo não passava de uma cilada, Bino.
Eu achava que era uma pessoa:
1. Que gosta de livros de completar.
Em 2016, inventei de comprar o “livro” Uma Pergunta Por Dia. Para quê? Para não responder, claro. Ele é nômade, sempre atrás de mim pela casa sedento por uma resposta mas eu simplesmente esqueço de escrever uma à pergunta do dia. E os dias vão passando, que é o que eles fazem. O objetivo final do livro até que é interessante: depois de cinco anos respondendo religiosamente, podemos fazer um balanço do quanto mudamos nosso pensamento. Mas não tem jeito, não consigo desenvolver a disciplina que ele exige, ainda mais quando viajo, quando trabalho até tarde da noite, atividades que me tiram da rotina enquanto as perguntas ficam para trás.
2. Que passa hidratante.
Sempre achei que era uma pessoa que usa produtos de beleza regularmente, como passar creme no corpo. Sempre comprei cremes, seguindo a tradição feminina de se ter cremes em casa. E era exatamente isso que eu fazia: eu tinha cremes em casa. Usar era outra coisa. Hoje tenho 34 anos e me forço a passar creme. Não é algo automático, não é algo que eu possa encher a boca para falar “nossa, como eu sou uma pessoa que adora hidratar a pele!”. O que eu sou é esforçada. Demorei para me dar conta disso. Meus cremes sempre passaram do prazo de validade e acabavam no potinho com água morna para fazer as unhas, enquanto eu comprava outro que passaria da validade e assim sucessivamente. Mas como disse, hoje sou “uma nova mulher”. “Porque eu mereço”.
3. Que desenha mal.
Esta vale para todos. Quando na escola, desenhamos bonecos palito. Em dado momento, desistimos dos bonecos palito e assim não continuamos, não nos aperfeiçoamos e ninguém nos incentiva! Escolas, professores, discutam sobre isso.
4. De cabelos castanho-claros.
Nunca me agradou o tom avermelhado que os tonalizantes deixavam no meu cabelo quando fazia clareamento com mechas. Para quem não sabe, quando clareamos o cabelo ele pode ficar mais claro do que gostaríamos. Então, o tonalizante é usado para recompor um pouco da cor do fio. Pois até quando me via em fotografia não gostava daquela “aura” vermelha em torno do cabelo, sobretudo em fotos no pôr-do-sol. Disse ao meu cabeleireiro: tira isso, não quero mais. E ele: mas o teu cabelo é assim, ele tem pigmentos avermelhados na composição. Infartei.
5. Que gosta de Friends.
Quando o seriado ainda era rodado, isto é, filmado, eu me forçava a ver. Não tinha TV fechada em casa, mas quando estava nos amigos ou familiares que tinham, assistia e, mais ainda, adorava dizer que gostava. Claramente uma tentativa de me sentir pertencente a um grupo. Porque no fundo, mesmo, algo sempre me incomodou. Pessoas com fenótipo adulto se comportando como infantiloides, sobretudo os homens. Eu era muito guria, então não entendia o significado daquilo tudo. Mas hoje há milhares de análises, como esta, que explica justamente o que eu sentia, entre muitas outras coisas que eu nem era capaz de perceber na inocência dos anos 1990.
E você, já descobriu que não era quem achava que era? Conta aí.
Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.