Crônicas

A gente vive a vida com o que sabemos dela até agora

 

Esta é a minha caixa de costura. E quando tive de recorrer a ela para fazer o forro da almofada de tricô, lembrei de um fato curioso. Enquanto passava uns dias na casa de uma amiga, fiquei encarregada de costurar as capas das almofadas dela. Na verdade era apenas fechar uma das laterais das capas já prontas. Ela tinha trazido os tecidos do Peru, lindos, e a mãe dela, uma artesã de primeira (e professora que, aliás, me alfabetizou), fez as capas. Então eu fiquei com a parte mais fácil.

O fato é que, quando pedi a linha e a agulha, minha amiga apareceu com apenas uma (01) agulha e duas (02) opções de linha, preta ou branca. Simples assim. Ela não tinha uma caixa de costura ocupando espaço no apê. Ela tinha apenas esses três (03) básicos e já muito dos suficientes do mundo da costura.

Considerei que a linha preta era a mais adequada. E lá pelas tantas, talvez na terceira almofada, estava quase acabando. Avisei minha amiga e ela, ocupada com algum cabo de celular enroscado, do outro lado da sala, responde: Vamos ter que continuar com a branca, então.

Vamos ter que continuar com a branca, então.

Aquilo me fez pensar tanto. Em tantas coisas. Na maneira como vivemos. Na maneira diferente como cada um vive. No meu desejo de conseguir viver com menos. No meu sonho de viver, também, com apenas uma agulha e duas linhas em casa, afinal de contas, eu não sou costureira. Achei tão… forte e lindo. Usar o que se tem e pronto. Fim de papo.

Juro que voltei de São Paulo pensando em não ter mais essa caixa que vocês vêem agora. Mas não foi bem isso que aconteceu. Chegando e olhando para ela, eu me dei conta que não surtei um dia e saí comprando tudo isso que juntei na minha caixa de costura. São anos e anos de acontecimentos que levaram a escolhas e também de muita coisa que foi dada. E quando me deparei com a missão de fazer o forro para a capa da almofada de tricô da minha avó, percebi que tinha uma linha cuja cor combinava perfeitamente com o tecido. E que bom!

Percebi que os dois jeitos resolvem. O jeito da minha amiga resolve. O meu jeito também resolve. Tem tantos jeitos de se levar a vida e a gente é fruto deles. E claro que também somos frutos do somatório das nossas experiências, e posso garantir que a experiência de alguns dias na casa dela valeu, também, para retirar muita coisa não só da caixa de costura como também de outros espaços do meu apê.

Quando olhei para a minha caixa de costura me enxerguei ali. Era eu, o que vivi, o que sou, pelo que já passei. São as minhas histórias de vida. Por isso não consegui ter apenas o que a minha amiga tem em casa, porque não sou ela. Às vezes, a gente se espelha em outras pessoas e tenta atingir algum lugar que elas atingiram, mas quando não conseguimos não é porque fracassamos ou porque a pessoa é melhor que nós. Simplesmente não somos iguais. Simples assim. Esse resultado não é negativo, ele simplesmente mostra que aquele não é o seu lugar, aquele não é você. O que nos leva a concluir que existe um lugar perfeito para nós, e que se respeitássemos quem somos, a nossa essência, os nossos valores, encontraríamos e sentiríamos o melhor lugar para se estar. Foi o que entendi quando olhei para a minha caixa de costuras lotada.

A vida diante de uma agulha e duas linhas me mostrou muito. Sou muito grata a esse momento e não vou esquecer nunca da minha amiga falando Vamos ter que continuar com a branca, então. Essa frase é pra vida. Quando as coisas não saem como o planejado, elas vão ter que seguir conforme o que você tem, com o que você sabe até aqui sobre a vida, com o que você consegue. Porque se a gente pudesse fazer melhor do que já fazemos, a gente faria. Com certeza. A gente erra tentando acertar e o único jeito de seguir em frente é carregando os erros debaixo do braço e tentando fazer diferente.

 

Foto e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *