Minha história é a de uma pessoa acumuladora. Já acumulei muitos textos sobre isso aqui no blog e outro tanto de palavras sobre o meu esforço para mudar e viver com o que realmente uso em um ambiente organizado.
Mudar nosso jeito de agir é, no mínimo, algo formidável – vide a lagarta que vira borboleta – além de um esforço hercúleo. Quando algo na nossa vida não vai bem e conseguimos enxergar que se trata de um aspecto que depende de nós, é meio caminho para a mudança. E quando compreendemos que o problema foi simplesmente aprendido, podemos desaprender. Faz alguns anos que estou desaprendendo a acumular. Sou muito grata por ser uma pessoa que pratica a autocrítica e que se esforça para mudar.
Venho de uma educação consumista, aprendi a lidar com as frustrações, tensões e ansiedades por meio da compra. É interessante como tem pessoas que são consumistas e não fazem ideia. Consumista é praticamente um palavrão. Ninguém gosta de ser chamado de, e quem é não se vê como tal. Há quem tem preguiça de cozinhar e chama o delivery praticamente todos os dias e não vê como consumismo porque acha que isso é coisa de quem compra eletrônicos e roupa.
Também aprendi a guardar, guardar e guardar porque “um dia poderá faltar”. Esse comportamento acumulador veio de berço, lembro de guardar itens desde criança. Em certas situações, isso pode até ser útil mas, no geral, entulha nossa casa.
Há muitos anos, quando pedi demissão do emprego conferi minha conta bancária e nada havia por lá, mesmo após anos de muito trabalho – queria escrever “mesmo depois de anos trabalhando como um cão”, mas achei menos fino. Só que olhando no entorno, pilhas de revistas de decoração, dezenas de utensílios e objetos decorativos guardados em armários porque não havia onde colocar, além de um roupeiro atolado de peças.
Eu simplesmente fiquei cansada de lidar com coisas. Como se a pele da lagarta não servisse na borboleta que estava por vir.
Junto com o cansaço, passei por experiências que mudaram o filtro diante dos meus olhos. Não enxergava mais valor em comprar tantas coisas e nem em manter o que não uso. Vi pessoas passarem uma vida inteira em função de coisas, esquecendo de desfrutar as conquistas, de ir à praia, de namorar, de olhar para o céu à noite.
Além do comportamento de consumo ter mudado ao longo dos anos na sociedade, o meu jeito de consumir mudou de forma particular, assim como a minha relação com as coisas – e, por conseguinte, com a vida em geral –, e isso se deve a 4 fatores:
O não comprar
Nunca mais comprei uma revista. Parei de ir ao shopping – aliás, nunca foi uma opção de passeio prazerosa. Ia apenas para fazer as compras de supermercado. A ideia foi parar de me expor ao que não preciso comprar, que dá supercerto. Dessa forma, o dinheiro começou a sobrar. O apartamento que compramos por meio de um financiamento a ser pago em trinta anos, conseguimos quitar em apenas cinco. É a boa e velha frase: “Não se trata do quanto se ganha, mas do quanto se gasta”. Quando parei de adquirir supérfluos, consegui realizar alguns sonhos. E quanto mais preservo e direciono o dinheiro para as compras certas, menos dá vontade de gastar aleatoriamente. Tão viciante quanto comprar é não comprar.
A morte
Quando perdi a primeira pessoa muito próxima, meu mundo ruiu. Fiquei sem chão e depois não via fundamento em muita coisa da vida. E não estou falando do luto. Estou falando do fato de que na nossa cultura ocidental somos ensinados a viver como se a morte não existisse. Não há preparo para ela. Já quando temos essa ideia viva – a da morte, veja só – mudamos nossa consciência e passamos a direcionar nossos valores, atitudes e esforços para outros propósitos. Tanto não se tratava do luto mas, sim, de uma mudança substancial, que nunca mais acessei o Instagram, e isso tem mais de 4 anos.
Esse momento único da história de uma pessoa pode ensinar muito aos que ficam.
O amadurecimento
Compro bem menos do que quando mais nova porque passei a me conhecer mais. A frase é clichê mas é um fato. Pelo menos na maioria dos casos, consigo reconhecer meus sentimentos e lidar com eles antes de terceirizar a solução para a carteira. Compro itens melhores, mais bem feitos, para que durem e eu não tenha que entrar no círculo vicioso de compra-descarte-recompra. Tenho outras prioridades e direciono meus investimentos a elas.
O outro
Observar o comportamento das pessoas nos ensina sobre nós mesmos e nos capacita a eliminar o que identificamos como problema. As pessoas guardam itens com memórias afetivas em cantos sombrios e mofados, empoeirando e se deteriorando anos a fio. Me distanciando das situações, percebi que fazia o mesmo e que, no fim, se configurava como uma falta de respeito com a memória das pessoas e dos itens em si. Com isso, aprendi que as coisas que eu mantiver, tenho o dever de usar. E usar pode significar deixar exposto para que eu enxergue, aprecie e me obrigue a manter em bom estado. Caso contrário, deve ser doado ou descartado.
Pois muito que bem. Depois de contar um pouco sobre esse processo de transformação, volto aos dias de hoje em que o sítio expandiu a nossa atuação. Com ele virão outras coisas que ocuparão espaço. Além da casa que servirá como base na área urbana próxima a ele.
Há uma máxima que diz: quanto mais dinheiro você ganha, mais gastos você vai inventar que tem que fazer e menos dinheiro você vai ter. Pois em se tratando de organização, quanto mais espaço você obtém, mais coisas você acumula e menos espaço você tem.
Seguindo as máximas, com o espaço da casa alugada eu acumularia mais coisas ainda. Mas com os anos de prática como ex-acumuladora e um esforço diário para descartar, o fato de ter mais espaço não fará eu manter itens desnecessários.
Assim que começamos a alugar a casa, trouxemos tudo que não era mais útil no apartamento e passamos uma peneira nos itens. Avaliamos quais continuam pertinentes na nossa rotina, nos nossos planos, e quais devem ser descartados. Já doamos tanto que me sinto até mais leve.
Fico tão animada em abrir espaço na casa que tudo vira motivo para descartar. Separei os DVDs de filmes cuja trama mostrava violências contra a mulher e me livrei deles. Aproveitei e passei na casa dos meus pais para descartar o livro do Dalai Lama. Nunca vi ninguém ler, mas um parente tinha passado adiante e lá estava, entulhando a estante.
Qualquer situação pode ser útil para destralharmos a casa, incluindo as notícias.
Meu aniversário está próximo e pedi pacotes de ração para doar ao canil da minha cidade, no lugar dos presentes usuais. Esse tipo de experiência me faz muito mais feliz do que receber coisas, muitas vezes itens que não preciso e não vou usar.
As experiências substituem formidavelmente uma “coisa”. Levamos minha mãe para assistir ao concerto da Ospa, como presente de Dia das Mães. Depois, comemos uma fatia de pizza no nosso lugar preferido e terminamos a noite em um bar do centro histórico de Porto Alegre. Não tem pacote de presente que se compare a esse tempo agradável que passamos juntos.
Há várias técnicas para desentulhar a casa, como, por exemplo, escolher 1 item para se desfazer no primeiro dia, 2 no segundo e assim por diante. Todas ajudam, mas a mais eficaz é a vontade. Isso blinda você e nada consegue te parar.
Se vivermos muitos anos, há muitas coisas com as quais ainda vamos nos deparar, adquirir, guardar. Por isso o movimento de desentulhar a casa precisa ser constante. Até porque, a gente muda, amadurece, e isso já é uma peneira. Seguir na vida ao lado das coisas que têm mais a ver com a gente hoje é o que vai nos ajudar na luta diária.
Seguimos aqui, na casa alugada, no processo de organização.
E você, conta aqui nos comentários: é mais da acumulação ou consegue não se apegar?
Texto e fotos de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.