Crônicas

No céu, somos todos robôs

 

Aquela hora do voo em que todas as pessoas abrem os salgadinhos e doces ao mesmo tempo, e mordem ao mesmo tempo, e mastigam ao mesmo tempo, e engolem ao mesmo tempo, e criam massas estomacais ao mesmo tempo e, acho que vocês já sabem o caminho aonde eu quero chegar. Não, não é esse não. A hora do lanchinho em voos curtos é bizarra. Todo mundo dançando uma coreografia. Um cheiro quase que mecanicamente asfixiante de biscoito Bauducco sequestra o ar – cheiro de qualquer coisa em quantidade aos montes, em lugar fechado, a onze mil metros de altitude, enjoa. Ainda bem que é só abrir um pouco a janela para ventilar.

Eu sempre pego a opção dos biscoitinhos de polvilho. E uma água. Mas não como. O salgado é para depois, em terra firme, porque nunca estou com fome na hora em que a tripulação diz que eu tenho de estar com fome. E a água, bem, eu também só tomo quando estou com sede. E na verdade não tomo nem quando estou com sede, porque faço qualquer negócio para não usar o banheiro do avião. No máximo, tomo pequenos goles para hidratar os lábios e a boca. Gosto de posicionar o copo sobre a mesinha e observar o quão alinhado o avião está. Se ele não estiver, eu simplesmente guardo o copo porque não sou obrigada a ficar sabendo, ok?

Uns vão dizer que eles têm que recolher o lixo todo de uma vez. Outros, que se cada um pedisse o lanche na hora que quisesse viraria uma baderna. E com razão. Mas a questão do lixo é que, se eu fosse diabética e precisasse de uma dose de glicose eu teria de abrir uma embalagem no instante que fosse. E vocês acham que eu a largaria no chão? Provavelmente colocaria na minha bolsa, em uma sacola que estivesse carregando, ou no bolso preso ao banco da frente ou, em último caso, esperaria um tripulante passar e pediria para recolher. A questão de manter a ordem também é válida, só que temos de concordar que é bizarro todo mundo comendo ao mesmo tempo coisas que nem cogitariam comer naquele momento se estivessem em terra. Já ouvi o relato de um cara que se entupiu de Coca, foi ao banheiro e conseguiu atrasar a aterrissagem porque não estava em seu assento a tempo dos procedimentos de segurança. Sério, você morre se ficar uma hora, uma hora e meia sem se entupir de gás e açúcar? Não dá pra aguentar, não?

Não adianta, acho bizarro o balé do lanchinho.

Se for para pura e simplesmente visualizarmos as caras tranquilas dos tripulantes e nos mantermos entretidos para não pensarmos na possibilidade de dar qualquer coisa errada no voo, ou não percebermos aquela ventoinha que, do nada, parou de fazer barulho – eu sempre acho que essa é a hora em que o avião começará a cair -, tudo bem, podem prosseguir com a dança robotizada.

Mas insisto: é bizarra.

 

PS.: Nunca, jamais, irei me acostumar com voo sem acento.

 

Foto e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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