Crônicas,  Vida e Carreira

Por que temos que nos preocupar com o futuro?

Assistir a um filme foi a sugestão do meu marido. Escolheu um espanhol, na Netflix. Parecia promissor. Mas não demorou muito para eu me distrair com a barba dele e a busca por pequenos cravinhos na pele. Atitudes que filmes-pouca-coisa despertam em mim. Limpeza de pele finalizada, me esforcei para concluir a sessão.

A sensação que eu tinha era de assistir a uma daquelas comédias para a família brasileira que juntam uma porção de atores-celebridade em uma tremenda confusão. Nada contra, uma vez que esse tipo de filme é totalmente eficaz para manter os membros do clã unidos em torno de um balde de pipoca – unidos por causa da pipoca – com a boca ocupada sem poder proferir frases desencadeadoras de crises. Toda família tem as suas frases, não vem que não tem.

Mas não é que, em um dado momento do filme, a personagem diz que “o futuro é a pior invenção da humanidade”? Pensei: opa, tem alguma coisa aí, enquanto a pipoca caía da mão – se eu estivesse comendo pipoca. Não é que tinha mesmo alguma coisa por vir naquele filme, gente? Ele serviu para aquela frase. Claro, a personagem estava mergulhada em uma total falta de perspectiva e as pessoas cobravam dela o próprio futuro, o que ela faria a partir de então, o que seria do filho dela, sem ela mesma saber ao certo – quem nunca passou por um interrogatório desses, feito por gente que também não sabe nada a respeito do próprio futuro?

Quem sabe o que será do futuro? Quem sabe, ao menos, o que é o futuro? Quem nunca perdeu um bocado do presente com os olhos focados no que não dá para ver?

Em outro filme que vi não faz muito, Parasita, o pai diz ao filho que não adianta nada fazer planos – no caso da família, criminosos –, porque eles não funcionam. O que produz um paradoxo, porque uma vez que os planos todos estavam dando errado para a família, o filho ainda tenta confortar o pai contando sobre os novos planos, que consistiam em estudar muito, trabalhar muito e ganhar dinheiro para, então, conseguir uma vida melhor para todos. Este plano, veja só, também é falível e, paradoxalmente (pela segunda vez), era o que ele deveria ter feito desde o começo.

A questão com o futuro em Parasita é: mesmo os planos dando muito errado, eles continuaram a fazer planos.

Ou seja, a gente precisa fazer planos, a gente necessita do futuro, a invenção descabida do ser humano segundo a personagem do filme-pouca-coisa. A ideia do carpe diem, do viva o agora como se não houvesse o amanhã, não existe, embora perfeita como roteiro de filme juvenil, de filme adulto sobre vidas desgraçadas ou, ainda, como discurso dos seus amigos do Instagram (e o uso de “do” Instagram em vez de “no” é deliberado).

Façamos um exercício: pense no dia de hoje, ou de ontem se tu estiver lendo isso no início do teu dia. Quantas coisas planejou fazer e não fez? Quantas coisas acreditou que aconteceriam e não rolou? Quantas atitudes se encorajou a tomar e não foi bem assim? Mesmo que com situações banais, os planos se desfazem e, justamente por isso, precisamos de novos. São os planos que nos mantêm aqui.

Essa perspectiva funciona para quem vê e/ou busca um certo sentido para a vida. Tem uma porção de pessoas com lifestyle niilista que acredita que de nada adianta qualquer esforço se o fim do roteiro da vida já é conhecido.

Pois se todos nós já conhecemos o final desse filme, tentemos, pelo menos, planejar um melhor “durante”, então.

Jordan B. Peterson, em seu livro 12 Regras para a Vida, ressalta e afirma – e nos livra de nós mesmos termos que concluir – que a vida é, sim, sofrimento. E que uma possível solução seria a busca pelo prazer, aqui e agora. Só que esse prazer, do mesmo jeito que chega, vai: rápido. Então a humanidade percebeu que poderia barganhar com o tempo. Que se ela se poupasse de pequenos e fugazes prazeres no hoje, poderia ter prazeres melhores, maiores e mais duradouros mais para frente. E então, a ideia de futuro estava criada. O ser humano aprendeu rápido que se estiver na posição A, ficará muito melhor quando conseguir se deslocar para a posição B.

E isso requer sacrifícios. Sacrificamos algumas horas, algumas companhias, alguns lazeres (gente, o plural de lazer, nunca usei) em prol de algo em que a gente aposta todas as nossas fichas que pode e vai acontecer. Nos comportamos hoje, seguramos nossos impulsos agora, para termos recompensas no futuro. Nossos esforços hoje são a causa da qualidade do amanhã. E Mesmo quando temporariamente satisfeitos, permanecemos curiosos. Vivemos dentro de uma estrutura que define o presente como eternamente deficiente e o futuro, eternamente melhor. Se não víssemos as coisas dessa maneira, não agiríamos de forma alguma. Não conseguiríamos nem mesmo ver, porque para ver devemos focar, o que exige escolher uma coisa entre todas as outras”, explica Peterson.

E tu, continua curioso? Já conseguiu focar? Já escolheu uma coisa entre todas as outras?

Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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