Crônicas,  Vida e Carreira

Fiquei dois dias sem ouvir sobre a pandemia nas mídias

Aquela velha sensação de um trator ter passado por cima, ao final da semana, era o que sentia. Totalmente sobrecarregada mentalmente, somando problemas pessoais com profissionais e todas as notícias e postagens sobre números e horrores.

Com esta sopa de boas energias, você pode imaginar que eu não somente sofria de sobrecarga mental mas, também, me encontrava em um limbo depressivo.

Então por dois dias consecutivos, últimos sábado e domingo, fiquei sem ouvir sobre a pandemia nas mídias. Exatamente isso que eu disse, sem ouvir sobre a pandemia NAS MÍDIAS.

Logicamente, continuava vivendo e enxergando a difícil situação, mas agora de acordo com o que eu realmente sentia, ouvindo minha própria voz e não reagindo sob a narração de outrem.

Respondi à mensagem da minha mãe no aplicativo, a outras duas de dois seguidores do perfil da Casa e saí correndo desses lugares.

Não se trata apenas de não assistir a telejornais, mas aquele passeio, a princípio, inofensivo com o dedinho sobre o feed das redes sociais pode, por vezes, ser bastante tóxico também.

Foi, na verdade, algo natural, eu não planejei. No sábado acordamos tarde, o que já me manteve boa parte do tempo longe das más notícias. Depois focamos em fazer o almoço, depois em aproveitar o almoço e depois em usufruir do dia com atividades que nos realizam e que não envolvem notícias e posts “não aguento mais”. Foi tão bom que conduzi o dia seguinte da mesma forma.

Não precisei sair para o supermercado porque cozinhei as refeições com os alimentos que já tinha e o tempo chuvoso em Porto Alegre afastou qualquer possibilidade de sair no pátio do prédio para pegar sol.

Foi um final de semana voltado ao interior, à alma, ao silêncio que permite que escutemos a nós mesmos, às leituras, hobbies e novos molhos inventados na cozinha. Às conversas. Sobre planos, sobre a vida, sobre o universo, sobre melhorias na casa, sobre nossas conquistas.

Dois dias de purificação. Me senti regenerada. Parecia que as feridas tinham cicatrizado, a respiração encontrado um ritmo aceitável. Voltei a entender o que era boa qualidade de vida. O que era liberdade. De pensamento, sobretudo.

Dois dias de sanidade mental. Dois dias de retomada de consciência. Sobre quem eu era, sobre como conduzia as situações na vida e sobre quais são os caminhos que permitem ser quem sou.

Gosto muito de alguns trechos do texto de Sertillanges que explicam exatamente a sensação que é estar no meio do caos dos outros, do emaranhado de pensamentos de terceiros, embriagado da forma como os outros lidam com a situação e, de repente, me encontrar de novo: “nunca estive entre os homens sem ter de lá regressado […] menos eu mesmo. Na multidão, nós nos perdemos, a menos que nos seguremos com firmeza, e primeiro é necessário criar essa amarra. Na multidão, nós nos ignoramos, estando atravancados por um eu estranho a nós que é múltiplo”.

E no que diz respeito ao silêncio que mencionei, tão fundamental para ouvirmos a nós mesmos, ele ainda acrescenta: “Os higienistas recomendam para o corpo o banho de água, o banho de ar e o banho de água pura. Eu acrescentaria para a alma o banho do silêncio, a fim de tonificar o organismo espiritual, de acentuar sua personalidade e de lhe dar um sentimento ativo dela, como o atleta sente seus músculos e prepara o jogo destes pelos movimentos internos que são a própria vida da musculatura.”

A gloriosa sensação de espírito elevado durou até domingo à noite, quando acessei uma rede social que me apresentou um quadrinho ilustrado de um perfil que sigo, em que a personagem dizia: “quando essa loucura vai acabar?”

Senti na hora meu peito segurar a respiração lá em cima, uma onda de sentimentos negativos tomar conta das minhas células, um assunto varrer para debaixo do tapete de conexões neurais todos os outros que são importantes para mim, um vírus me infectando e paralisando meus movimentos diante de uma tela. Meu peito ainda segurava a respiração.

Voltei à Matrix.

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