Crônicas,  Vida e Carreira

O fim da conversa existencial

Meus avós venderam a antiga casa da praia. Significa o fim das conversas existenciais que aconteciam sobre um colchão apoiado no piso frio da garagem, lugar onde encanava o vento que passava acelerado, vindo do mar depois de percorrer uma quadra cidade adentro.

As conversas existenciais no colchão da garagem aconteciam sempre em dois momentos: logo após o almoço, enquanto outros integrantes faziam a sesta, ou à noite, após a janta.

De onde viemos, para onde iremos era a pauta das conversas sobre o colchão que dividíamos com a vó e com quem mais chegasse. Nenhuma possibilidade era descartada. Éramos experimentalistas.

Vez ou outra, uma pausa para comentar o pé encardido de tanto veranear, a marca não quista da camiseta, o próximo sabor de picolé a ser comprado na única sorveteria, vulgo único lugar que havia para dar uma voltinha.

Uma praia muito tranquila. Tão tranquila que era convidativa aos seres inteligentes de outras partes do universo, que não a Terra, para participarem da nossa conversa existencial do colchão da garagem.

Sempre encerrada quando uma pessoa levantava e entrava em casa, alegando frio. Ou com a aproximação de um dos integrantes dorminhocos soltando um famigerado “vamos fazer alguma coisa?”.

Eu adorava não fazer nada. E ter conversas existenciais no colchão da garagem.

Poderia ter ficado triste por não ter mais paradeiro nos períodos de calor e carnaval. Poderia ter achado uma estratégia errônea, pois a praia era tranquila e o terreno era bom. A casa, boa. Poderia ter achado ruim ter a obrigatoriedade de ter que alugar dali para frente – não que já não fizesse em outras praias. Mas o que mais me tocou foi o encerramento da existência das conversas existenciais. Conversa é artigo escasso hoje.

Mas a vida é feita de saudades e de histórias contadas. Em se tratando de um ritual tão querido, flutuar no saudosismo até que é um destino digno para as conversas existenciais do colchão da garagem.

O vento parou.

Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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