Crônicas,  Vida e Carreira

Bananeiras não crescem em Saturno

O jardineiro que cuidava do pátio também tratou do pomar da calçada. Podou uma bananeira. Folhas maravilhosas por todos os lados. Enquanto eu alcançava um galho cortado caído na rua, quase atropelado pelos carros, o jardineiro se aproximou e estendeu o braço para me entregar um presente. “Uma muda. Isso aí não pega”.

Enquanto eu lançava as palavras que compunham a frase “muito obrigada”, o jardineiro dava as costas e seguia ordeiro para o trabalho na casa, sumindo entre trepadeiras e árvores de médio porte, sem que eu conseguisse perguntar o nome, enquanto era chamada para ser atendida no portão ao lado.

O jardineiro não fez questão de receber agradecimentos. Fez de coração. Fez sem esperar algo em troca ou, ainda, fez o que achou que devia fazer, aquele famoso “fez o que qualquer um faria” ao ver uma mulher feliz com um galho cortado de bananeira que não poderia gerar uma nova bananeira.

Nos últimos tempos, tenho agradecido a algumas pessoas que me respondem dizendo que fizeram o que qualquer um faria mas que, na verdade, ninguém o fez, apenas elas.

Não invejo o que é do mundo medonho. Invejo o jardineiro. Não tem sensação melhor do que a de ter feito o que ninguém faria, só você. A sensação de fazer o bem sem esperar absolutamente nada em troca é de outro mundo. A chance de não nos vermos mais chega a ser pesada como um elefante, e ele sabe disso.

Será que ele sabe que agora, todas as noites, antes de dormir, vou lembrar dele?

Me dá uma certa aflição em não saber seu nome, não tê-lo feito ouvir o muito obrigada, daqueles de olho no olho, não tê-lo feito entender que seu gesto significa muito pra mim.

Há uma certa vaidade nisso. Ele não pode achar que sou uma qualquer, que recebe graças por aí sem esboçar um fio de gratidão. Ele precisa saber que sou um ser humano sensível a esse tipo de atitude. Que guardo os presentes que ganho num músculo insistente e que também escrevo sobre.

“Seja alguém que você queira conhecer”. Eu quero conhecer o jardineiro. Quero conhecer o cara que não quis saber quem eu era e de onde vim, o que fiz e deixei de fazer. Se tenho terra onde plantar a muda de bananeira, se tenho sol e chuva a oferecer à muda de bananeira. Se tenho mão para plantas ou se posso matá-las.

O jardineiro encheu meu coração de um tanto de coisa boa. Nem sei dizer. Mas mesmo assim precisei ir ao cardiologista. Uma dor insistente, tanto quanto o médico dizendo que não é nada.

O que não pode ser considerado nada, muito pelo contrário, é o alinhamento de Júpiter e Saturno. Astronomia me anima tanto quanto gente que faz o bem fazendo o que ninguém fez. Eu vi, a olho nu, dois planetas se abraçando.

Me desloquei alguns quilômetros até a beira do rio, à noite, para assistir a essa união que só aconteceu, da forma que aconteceu agora, há quase 800 anos.

Me perguntam se observo todos esses fenômenos que me entusiasmam com a ajuda de um telescópio.

Eu entendo a pergunta, feita com vincos entre as sobrancelhas. Nem todo ser humano vê alegria nas pequenas coisas. Sou tão grata em poder enxergar, em ter acesso à informação, que acho sensacional, sim, olhar para o céu com meus próprios olhos e saber que nem tudo que brilha é estrela. Que estou olhando para objetos de tamanhos ainda inconcebíveis mentalmente, lindos e que compartilham do que sou feita.

Gigantes como Júpiter me fazem enxergar que mudas não crescem em qualquer lugar. Apenas onde jardineiros fazem o que ninguém mais faria.

Foto e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para Casa Baunilha.

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