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O tempo da horta

Era um sonho ter uma horta. Queria poder usufruir de temperos e vegetais frescos, cultivados sem agrotóxico. No meu apartamento, sempre tive um vaso aqui, outro ali, com mudas que logo acabavam ou sequer sobreviviam.

Mas a história tomou um novo rumo quando meus pais se mudaram do apê em que moravam para uma casa. Com a iminência de um quintal, nascia a oportunidade de ter uma horta.

Embora nunca tivesse tido a oportunidade de plantar meu próprio alimento, sempre tive contato com esse mundo por meio dos meus avós, que plantam de tudo no quintal dos fundos, além de vários outros pontos de contato com o mundo hortaliço intercalados durante a vida – que tal o neologismo?

Estrutura feita, é hora de plantar. Meu avô forneceu a primeira planta, um pimentão verde. Deu pimentões por um tempo, pequeninos, e depois nunca mais. Plantamos mudas de alface, rúcula, salsinha, cebolinha, manjericões roxo, branco e italiano, alfazema, hortelã pimenta, alecrim e tomilho. Por último, alguns galhos que brotaram de duas batatas-doces.

Eu fiz o básico, aquilo que se espera fazer. Forneci a terra e a água. E quando eu não sei nada sobre um assunto, fecho a boca, abro os olhos e atento bem os ouvidos. Quando me dei conta, ganhei mais do que uma horta, ganhei um relacionamento com o tempo que eu ainda não tinha.

Não sei se vou conseguir me fazer entender. O tempo era meu conhecido já. A gente se cruzava pelas calçadas, nos cumprimentávamos cordialmente, ambos sedíamos lugar na fila quando a pressa intervinha. Eu sempre tive muito respeito por ele e ele, por mim.

Quando deixei que a natureza me dissesse como a minha horta iria se desenvolver, o tempo me adicionou como amiga. Trocamos uns likes, indicamos a alguns amigos e, dessa forma, a gente não se desgrudou mais. Praticamente todos os dias ele me manda umas referências de como proceder, uns links pra eu saber mais sobre como esperar.

Notei que nossa parceria foi ficando afinada com o passar dos dias. A gente passou a completar as frases um do outro e já tivemos um episódio de “telepatia”.

Um dia ele me disse que a horta queria falar comigo. Ela contou que as rúculas e as alfaces não se dariam muito bem ali, mas que era para eu ficar tranquila porque os temperos virariam arbustos, com troncos e uma fauna variada, para eu e o meu amigo tempo apreciarmos.

E assim foi. O manjericão branco tem até um tronco e chegou a uma altura de 90 centímetros. Vi muitas pessoas dizerem que as flores devem ser podadas. Mas como eu já tinha esse laço com o tempo e resolvi deixar a natureza me dizer, o manjericão floresceu lindamente. Quando o vento bate, leva para quem estiver no pátio e dentro da casa seu perfume. As abelhas adoram captar o néctar, as borboletas estão sempre na volta, pequenos insetos como joaninhas também visitam e é lar de um outro que eu não conheço mas já fixou residência e se alimenta de pequenas moscas.

Até as formigas gostam da horta. E são bem-vindas. Não sei explicar, elas não comem a horta, elas só querem um lugar para ficar. No caso, o formigueiro que construíram com vista para o pátio.

Pequeninas aranhas também são moradoras e acabam com larvas e outros insetos que talvez gostassem dos temperos tanto quanto nós.

O manjericão italiano teve sua adolescência após o plantio da muda, foi indo e acabou ficando feíssimo. Mas tudo bem, como o tempo já é íntimo, o manjericão italiano murcho e seco ficou lá e, quando menos esperamos, estava lindo novamente.

O mesmo aconteceu com o roxo que também colore a horta com as flores que as abelhas adoram.

A salsinha criou um tronco. Nunca tinha visto isso. Acho que ela quer dizer que não quer ser arrancada de jeito nenhum. A turma gosta dali.

A cebolinha foi outra que parecia não vingar. Mas meu amigo me aconselhou e deu tudo certo.

A hortelã já podamos algumas vezes porque se deixar ela toma o lugar da unha de gato que cresce bastante lentamente sobre o muro.

E assim a gente segue, cada um respeitando o tempo-espaço um do outro – tem espaço para as flores secas, para as folhas caídas, para os galhos atravessados.

Observar, escutar, respirar.

Diga-me com quem andas… é com o tempo?

Chamo ele de condomínio, o manjericão. Tem CEP próprio. O perfume e o zumbido das abelhas são um dos destaques do seu show.

 

Os pimentões que deram na horta. Meu avô plantou de surpresa, quando eu não estava lá. Eram bem docinhos.

 

O manjericão italiano fênix, com novas folhas lustrosas depois de um período de declínio.

 

Os troncos da salsinha. Ela tem o momento de brilhar: picadinha sobre o carreteiro.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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