Florianópolis,  Por aí,  Santa Catarina

Ainda bem que encontrei a Sônia

Uma das coisas que tira o brilho das férias é o lixo na praia. Lembro da primeira vez em que fomos a Naufragados, a praia mais ao sul da ilha de Florianópolis. Tudo muito lindo, tudo muito perfeito, mas o que é isso na areia? Uma trilha de lixo visivelmente trazida pelas ondas. Os resíduos desenhavam um S à beira-mar, junto com materiais orgânicos trazidos pela maré.

Fiquei paralisada tentando entender. Talvez pela posição da praia, mais ao Sul, e de acordo com as correntes, o lixo acabava parando ali.

Agora, nestas férias, enxergo as areias do Pântano do Sul tomadas pelo lixo. Os resíduos fazem o mesmo desenho que em Naufragados, no limite que as ondas alcançaram. E o lixo que vem com as marés se soma ao deixado nas areias pelos mal educados, sejam moradores ou turistas.

Convoquei o Bruno para, quando sairmos, já levarmos uma sacolinha no bolso para recolher o que encontrarmos.

Eu criei uma estratégia. Aproveitei minha visão boa para detalhes e na ida fui caminhando bem próximo às ondas. É ali que ficam partículas menores que podem ser pegas pelas ondas e voltar ao mar.

Uma espécie odiosa habita ali: o balão de festa. Um maldito balão laranja povoava a beira do mar. Mini pedaços dele, incluindo a boca do balão, que forma aquele anel indestrutível. Os pedaços de borracha laranja devem chamar a atenção dos peixes, que ingerem achando que é alimento – vide o colorido das iscas artificiais.

Já na volta, percorri a área próxima às dunas. Fui contornando os guarda-sóis das famílias. É por ali que ficam os lixos volumosos, além da trilha de resíduos deixada pela maré alta.

Nos resíduos volumosos estão os pacotes de biscoitinhos, salgadinhos e aqueles transparentes que envolvem as bolachas. Há, também, pedaços de todo tipo de objeto, além de restos de estruturas de fibra de vidro, espuma, plástico denso, vidro.

Na trilha de resíduos da maré alta há muitos fios semelhantes às cerdas das vassouras. Acho que são as cordas navais que se despedaçaram. Concluí que a beira da praia é composta de 70% de areia e 30% de fios de nylon de corda. Socorro, como tem. Na verdade, 60% de areia, 30% de fios de nylon de corda e outros 10% de minipartículas de plástico azul que infestam a trilha de resíduos da maré alta.

Fiquei impressionada, também, com a quantidade de abelhas e joaninhas mortas nesta trilha de resíduos. Talvez elas se sintam atraídas pelo cheiro vindo dos lixos, algum aroma doce que ficou nos canudinhos ou nos pacotes de farináceos e podem ter sido atingidas pela areia durante uma ventania. Teorias mil, mas ainda não consegui decifrar a triste concentração desses insetos na trilha de resíduos da maré alta.

Durante uma das caminhadas pela beira-mar, encontramos a Sônia, moradora da Praia dos Açores. Ela também juntava o lixo. Disse que é algo patológico, inclusive. Ela não consegue ver lixo no chão e não juntar. Falei que não era uma questão patológica e, sim, de consciência. Ela parou, me olhou e reforçou: “é patológico, sim”. Contou, inclusive, que deixou de frequentar uma praia pois não conseguia andar por lá de tanto lixo.

“Ainda bem que sou divorciada, pois meu marido não gostava quando eu parava para recolher o lixo.”

Ela contou que aquilo que vemos não é apenas o lixo dos veranistas, moradores e do que vem pelo mar. Tem também muita coisa que os próprios pescadores dos barcos grandes descartam na água. E quando achei que já estava triste o suficiente, isso conseguiu me deixar mais mal.

Lembrei de uma conversa, certa vez, em que o dono de um restaurante chamou esses barcos grandes de “parasitas”, pois o pescado conseguido nas praias é usado como isca para pegar atum em alto-mar. E a isca deles nada mais é do que os peixes que garantem o ganha-pão dos pescadores locais, os peixes servidos nos restaurantes.

Os pescadores dos barcos maiores passam dias em mar aberto e, alguns deles, pois não podemos generalizar, em vez de reunirem o lixo para descartarem quando atracarem, jogam no mar. Desde material de pesca, passando por restos de comida até todo tipo de embalagem. Por isso as folhas de alface à beira mar.

E falando em embalagens, conta a Sônia que já encontrou itens vindos do outro lado do Atlântico. E eu encontrei até seringa com agulha – a agulha quebrada, fazendo um L, apontada para cima, vejam só.

Papo vai, papo vem, andamos bastante até que a Sônia encontra alguns metros de corda ainda boa, que deixamos sobre um dos barcos na areia, para que os pescadores locais pudessem aproveitar. Havia alguns pinguins mortos ao longo da orla. Podem ter se perdido nas correntes, ou engolido algum objeto.

A Sônia já recolheu 90 quilos de lixo em uma única caminhada, dos Açores até o final do Pântano. Saiu de casa com um saco de 1 litro, que encheu 9 vezes, descartando o conteúdo nas escassas lixeiras pelo caminho.

A Edna, moradora do Pântano, me lembrou de outra situação que agrava a questão do lixo na praia: as chuvas levam o lixo, descartado incorretamente, até os rios que desembocam no mar.

O descarte sempre existirá pois é parte integrante da vida que desenvolvemos na Terra. A questão é a falta de educação, de consciência, de empatia pelo próximo, de respeito à natureza, que faz muitos não descartarem da forma correta. E o descarte incorreto está por todos os lugares.

Na Ilha do Campeche, há poucos dias, encontrei na areia pacotes de bolachinhas, salgadinhos e até um aro de metal de bojo de biquini. Sem contar o belíssimo caco de vidro verde, entre as conchinhas na beira do mar, pronto para acabar com as férias de alguém – se já não estragou algumas antes que eu recolhesse.

Encontrar a Sônia foi como encontrar um outro ser humano depois de um cataclismo do qual você acreditava ser o único sobrevivente. Tomara que tenha mais pessoas assim, que façam a sua parte. E que se não quiserem juntar o lixo alheio, que pelo menos sejam responsáveis pelo próprio.

Atualização: um dia depois de escrever este texto vimos uma outra mulher passeando com o cão e juntando o lixo que encontrava. Também encontramos a Sônia, voltando para os Açores, depois de largar sua sacola cheia na lixeira do Pântano, mas com uma das mãos já segurando mais lixo.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *