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As voltas que a Internet dá: desvendando o set da série Edifício Paraíso

Adoro bancar a agente do FBI para descobrir locações de filmes, séries e afins. Mania que vira uma verdadeira jornada e que proporciona descobertas para além do que eu queria desvendar. Quem nunca embarcou numa viagem só de ida pela Internet para nunca mais voltar ao ponto de partida?

Depois que a Fernanda Young tragicamente se foi, uma das escritoras que mais gostava, tive vontade de rever a série Edifício Paraíso. A trama mostra, madrugada adentro, cinco casais em seus respectivos apartamentos tendo, simultaneamente, aquela grande briga que todo casal tem.

Na série, o edifício é este aqui, ó:

Puxa vida, um prédio art déco, antigo, do jeito que eu gosto. Bem que eu podia descobrir onde fica para quando for a São Paulo fazer aquela tietagem de prédio de série, só que à brasileira – essa sou eu falando comigo mesma. Depois de várias buscas sobre locações e cenários acabarem em nada, resolvi dar início à investigação.

 

Bom, o que eu tinha até agora era a fachada. Buscas no mapa não apontaram Edifício Paraíso algum – vai que o seriado fosse uma homenagem a um prédio emblemático de Sampa? Agora era preciso observar algumas cenas atrás de mais pistas. E em algumas delas, mostrava a vista que se tinha do apartamento:

Daí lembrei que quando visitei o Copan, minhas fotos tinham captado, bem próximo, aquele prédio de formato cilíndrico ali na direita, branco e bem iluminado. Ou seja, o Ed. Paraíso poderia se situar perto do Copan. Só precisava saber de onde era, especificamente, aquele ponto de vista. E mais 3 características da vista da janela me ajudaram na descoberta: a torre de uma igreja à esquerda (onde aparece um relógio), o grafite de uma menina no prédio à esquerda da torre da igreja e as copas das árvores em primeiríssimo plano. Ou seja, a vista se dava a partir de uma praça: igreja + árvores = praça.

 

Uma busca pelo Copan e logo vejo que o Ed. Paraíso só poderia estar na rua em frente à Praça Franklin Roosevelt:

 

No mapa, não aparece o grafite da menina mas, me posicionando próximo ao prédio (com o boneco do Maps) consegui visualizar a arte:

 

Pois bem, olhando para os prédios da Praça Franklin Roosevelt e considerando que o Ed. Paraíso é de esquina, não há nada por ali que lembre a construção estrela de TV. Conclusão 1: enquanto a fachada que aparece na série é de um prédio, a vista da janela é de outro. A pergunta que não quer calar é: será que os interiores dos apartamentos, que são maravilhosos, são do prédio da fachada ou poderiam ser de um terceiro prédio ou, ainda, cenográficos? Mas eu ainda não tinha respondido à pergunta inicial: onde fica o Edifício Paraíso, se é que existe?

 

Eis que um enquadramento mais aberto entrega o ouro:

Na parede atrás das colunas da entrada não está escrito “Ed. Paraíso” e, sim, alguma coisa “ão Sabará”.

 

Uma busca rápida e chego ao verdadeiro prédio, o Condomínio Maranhão Sabará:

 

Outro efeito usado na série: o prédio foi “cortado” para que parecesse ter cinco andares, representando os cinco casais, quando realmente ele tem mais – oito e talvez uma cobertura, cheia de plantas, e mais o primeiro nível que pode ser um salão. Não deve ter sido muito difícil produzir o efeito porque a trama se passa à noite, então foi preciso cobrir o resto do prédio com o breu da madrugada:

 

Conclusão 2: o edifício da série é real e pode ser devidamente localizado.

E como adoro explorar um mapa, comecei a pesquisar sobre a Rua Maranhão e arredores. Descobri que a região foi construída em alto padrão para a época, final do século XIX, para receber a elite paulistana. O bairro recebeu o nome Higienópolis, que significa “cidade da higiene”, justamente pelos recursos de fornecimento de água e captação de esgoto, além de iluminação a gás e linhas de bondes.

E se o bairro foi planejado para receber a nata da sociedade paulistana, significa que a região é repleta de palacetes e casarões, inspirados no estilo francês, que era a sociedade na qual a paulistana se espelhava. Em um deles, na Av. Higienópolis, vi que funciona um museu, o Casarão Nhonhô Magalhães, com os detalhes de seu interior preservados. Outra mansão ainda preservada é a Vila Penteado, com dois pisos e 60 quartos, construída em 1903 para a família de um conde, em estilo art nouveau. Hoje, integra os prédios da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, junto do edifício Vilanova Artigas.

Há muitos outros prédios de arquitetura assinada na região, como o Edifício Cinderela, vizinho do Paraíso, de autoria de João Artacho Jurado, com pastilhas rosadas e detalhes vazados em flores. Há também o Edifício Lausanne, que já conhecia das revistas de decoração, com suas venezianas coloridas. A Rua Maranhão também abrigou o ateliê de Di Cavalcanti, um prédio de 6 andares em frente à Paróquia Santa Teresinha.

Pertinho dali fica o restaurante Carlota, da chef Carla Pernambuco, gaúcha que fala “bolacha” e que muito acompanhei assistindo aos seus programas de receitas na TV. Ela fazia pratos que me deixavam salivando. Ainda quero conhecer seu restaurante.

Por ali também descobri um shopping onde fica a Lancheria da Cidade, que serve hambúrgueres e cachorros-quentes. Está bem avaliada mas muitos reclamam que já foi melhor. Fiquei interessada caso passasse pela região.

E depois desta verdadeira viagem por um bairro paulistano, voltei ao “desvendamento” do set da série. Na medida em que assistia aos episódios, mais evidências reforçavam que a vista que aparecia era uma projeção/montagem. Porém, sempre coerente, do mesmo lugar: a Praça Franklin Roosevelt. Um dos indícios está no cabelo dos atores. Cabelos interagem muito mal com o fundo falso do audiovisual. Parece que a cabeça da pessoa foi recortada a facão do cenário, ou seja, dá para ver que a pessoa está descolada daquele ambiente – e na verdade, o que não estava lá no momento da gravação era o fundo. Ou, ainda, nuvenzinhas brancas contornam o cabelo e as linhas finas dos objetos, como as janelas. Repare:

Uma linha de nuvenzinha branca no lado esquerdo do cabelo da Marisa e também nas cortinas – sou apaixonada pela Marisa Orth e a atuação dela está um escândalo na série.

 

A nuvenzinha branca também aparece entre os cachos da atriz Lucy Ramos. Outra questão é que, no caso desta cena, a iluminação está excessiva: mais um indício de uma luz artificial que estaria batendo no cabelo dela. Sério, à noite, apague as luzes da sua sala e se coloque em frente à janela do seu apê que fica no alto, onde a luz do poste não chega, e peça para alguém te fotografar. Se o teu cabelo ficar claro assim, provavelmente a lua está quase tocando a Terra e, no caso, é melhor você correr para um abrigo subterrâneo. Na verdade, teu cabelo ficará escurecido, com os fios se perdendo em meio à escuridão da noite.

 

Neste quadro, nuvenzinha clara em torno dos cabelos de Guilherme Fontes e Fernanda Young. No caso dele, azul.

 

Integração zero do cabelo com o fundo.

 

Opa, está nevando lá fora? Não, é apenas a nuvenzinha branca da projeção contornando as linhas finas da janela. A propósito, a atuação da Tainá Müller está irretocável nesta série.

 

Outra evidência de que o exterior está descolado do ambiente são os reflexos nos vidros. O Ed. Paraíso tem apenas cinco andares e olha só a vista que eles têm: a de que estão acima de prédios muito mais altos:

 

Olha o prédio de quinhentos andares refletido na direita.

 

Mais e mais prédios altivos próximos da Praça Franklin Roosevelt – e a nuvenzinha branca continua contornando o cabelo da Lucy.

 

A iluminação clara demais sobre os atores próximos das janelas e a vista projetada só podem indicar que a série não foi filmada dentro do prédio real, o Condomínio Maranhão Sabará. E eu ainda posso apresentar outro detalhe que reforça isso. Eu diria até mais, eu diria que coloca uma pedra sobre o assunto:

Percebam que há duas vigas no teto dos apartamentos (do prédio real) que formam um triângulo e que se encontram onde desce uma coluna, bem próxima da janela, por sinal. Pois bem, esta coluna não existe no interior dos apês (nas cenas da série). Veja:

 

Conclusão 3: o interior dos apartamentos não são os dos apartamentos do Condomínio Maranhão Sabará.

Conclusão do caso: o Edifício Paraíso na verdade é o Condomínio Maranhão Sabará, que fica na Rua Maranhão, no bairro Higienópolis em Sampa, a vista é da Praça Franklin Roosevelt, no Centro, e o interior dos apês é cenográfico. Todos iguais em sua configuração, claro, mas com decorações distintas e muito legais.

Confira:

Tanto nos banheiros quanto na cozinha, os azulejos cobrem uma certa altura das paredes, acabando em um friso de azulejo preto, bem fino, que acho sensacional, distinto de tudo que a gente vê hoje. Uma verdadeira marca dos tempos antigos. Quem tiver essa configuração de azulejos em casa aguenta aí, não se desfaça, é incrível.

 

Cobogós.

 

Armário de banheiro espelhado, 3 portas, um clássico. Eu tinha no meu banheiro antigo. Ai, saudades…

 

Cartaz.

 

Armário espelhado, 3 portas, também no apê da avó do personagem.

 

 

Quadro e cortina de miçangas, outro clássico.

 

Eu sou suspeita, adoro os roteiros que a Fernanda Young escreveu com o marido, o Alexandre Machado. Os Aspones e Como aproveitar o fim do mundo acho que ainda são os meus preferidos. E ainda bem que a criação audiovisual tem dessas, detalhes que passam praticamente despercebidos. Assim, a gente descobre muitas outras coisas legais.

 

E aí, gostou da viagem audiovisual, arquitetônica, turística e decorativa? Ali na calçada do “Ed. Paraíso”, o símbolo gráfico das calçadas de São Paulo, criado por uma arquiteta que nunca ganhou um centavo sequer em troca. Mas isso é assunto para uma outra postagem, pelamor!

 

Me despeço com um mistério para quem também gosta de bancar o detetive:

Que prédio é este com pastilhas claras, de onde os personagens assistem à queima de fogos?

 

Imagens: Google Maps e screenshots da exibição do seriado via Internet. Texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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