SÍTIO

Sobre o dia que se configurou como um dos mais tristes

Completaríamos 01 ano de sítio ao final do mês de dezembro que está por vir. Eu já pensava em uma celebração, singela, para marcar o período importante, desafiador e muito feliz da vida da gente.

Há quase um ano, meu sogro chega para meu marido e eu e diz “Isso aqui é de vocês, podem fazer o que quiserem aqui”. Iniciamos, então, uma jornada pelo universo do sítio, sobre o qual sabíamos pouco mas que já adorávamos porque estar em meio ao verde fazia muito sentido pra gente.

E não se tratava apenas da oportunidade de ter um espaço que pudesse nos trazer qualidade de vida e, quem sabe, até, um meio de gerar renda. Mas também do meu marido ficar mais próximo do pai. Minha sogra faleceu de uma forma inesperada, foi devastador para nós e o sítio era uma maneira de estarmos sempre presentes por lá, mantendo pai e filho mais conectados.

A cada semana, compreendíamos mais o sítio e descobríamos micro universos dentro dele. Um deles nós apelidamos de Jardim Botânico, uma extensa coleção de bromélias criada naturalmente, obra da natureza esculpida ao longo de anos. Junto dela, várias frutíferas como goiabeiras e araçás. Havia, também, o manacá de cheiro, que rendeu uma boa história contada neste vídeo.

Desde o início, defendemos que o Jardim Botânico deveria ser preservado. Inclusive, construiríamos a casa próxima a ele, fazendo do espaço o nosso jardim. E sempre esteve em nossos planos limpar o mato que crescia no local, deixando as bromélias e as frutíferas à vista. Mas ainda não era a hora de mexer nisso.

Neste espaço havia, também, a árvore que apelidei de guarda-chuva amarelo. Ela tinha o tronco esguio e seus galhos e folhas apenas no topo. Durante o verão, ficava tomada de flores amarelas. Lindo, lindo, lindo. E para que o guarda-chuva amarelo não sofresse com os fortes ventos, amarrei o tronco dele em um galho grande e seco que estava caído há muito.

A empolgação com o Jardim Botânico era grande e a expectativa para quando tivéssemos a casa e fizéssemos dele um jardim integrado era imensa.

Sempre conversamos com meu sogro, que diariamente leva o ajudante para roçar o terreno, que aquele espaço não deveria ser mexido, estávamos preservando pois era um patrimônio do sítio. Meu sogro sempre deu a entender que compreendia, dizia que jamais seria mexido ali, que qualquer coisa que fosse feita seria porque nós solicitaríamos e estaríamos presentes para ver.

Inclusive, devido a essa movimentação e prestação de serviço que acontecia no sítio, marquei as árvores pendurando cartões de identificação para que as pessoas que fossem trabalhar lá, ou que passassem pelo área, entendessem que aquelas árvores eram importantes e que não podiam ser mexidas – como se existissem árvores não importantes. Até fiz uma postagem mostrando essa iniciativa.

Nesta última sexta-feria, enquanto meu marido e eu trabalhávamos em casa, meu sogro enviou o roceiro para o sítio para limpar o espaço.

Não sobrou nada.

Quando meu marido foi me contar, disse para eu puxar uma cadeira. Chorei. Ele correu para o sítio conferir, eu fiquei em casa, sem coragem de ir junto. De lá, fez uma chamada de vídeo. O cenário era desolador. Eu chorava copiosamente.

O jardim botânico não existe mais.

Próximo às bromélias havia um galho gigante que caiu de uma árvore, há tempos, e ficou elevado porque ainda estava conectado à árvore. Comentávamos com meu sogro que iríamos manter o galho caído, do jeito que estava, porque servia de banco natural. Imaginava a gente fazendo churrasco sob a sombra da árvore imensa usando o galho como banco.

Ele também retirou o galho. O banco natural não existe mais.

O Jardim Botânico se foi e junto com ele também se foi a confiança que tínhamos para podermos construir e fazer tudo que planejávamos para o sítio. Isso tem um impacto direto quando você ainda precisa investir energia, emprenho, tempo e dinheiro para conseguir se estabelecer, como fazer chegar a eletricidade e construir um sistema de abastecimento de água. Sem mencionar a construção da casa e tudo que envolve o funcionamento dela.

Sei que vocês podem não ter entendido como isso pode ter acontecido pois não conhecem muito bem os personagens dessa história. Mas um fato é determinante para colocarmos o pé no freio: meu marido e eu trabalhamos em horário comercial e quem consegue estar todos os dias no sítio é meu sogro e seu ajudante, o homem que retirou tudo. E isso conta muito no que se refere a colocar os planos em prática.

Temos muita dificuldade em plantar frutíferas porque meu sogro mantêm uma boiada pastando por lá e não temos como ficar de olho nas plantas jovens a todo momento. Por ora, contamos com os arames farpados. No momento em que as plantas atingirem alturas maiores o gado conseguirá alcançar.

As ideias sobre o que fazer no espaço divergem e, portanto, não temos chance de executar nossos planos.

Temo pelo pessegueiro que ganhei da minha madrinha. Ele vai crescer mais e as vacas conseguirão alcançá-lo. Temo pela bergamoteira bebê, também.

Temo pela mata nativa. Meu sogro quer derrubar os pinheiros que estão por lá. Sei que os pinheiros são considerados pragas, eles acabam com a mata nativa, pesquisei sobre isso. Mas os pinheiros que já foram derrubados caíram sobre a própria mata nativa. As pessoas que forem executar esse trabalho precisam fazer de forma correta, sem destruir o verde nativo.

Temo pelos animais que dependem da mata nativa. Temo pelas nascentes que têm logo abaixo de onde meu sogro está cavando para construir uma taipa. Poderão ser soterradas.

Sinto como se estivesse vivendo um luto.

Mas não vamos desistir de ter nosso espaço. Antes mesmo do sítio, procurávamos uma casa com área aberta para plantar e poder fazer nossa bagunça, a minha cerâmica, trabalhos com madeira e muitas outras atividades. Estávamos buscando em outra região, inclusive.

E quando o sítio surgiu, mudamos os planos e, nesse quase 01 ano que passou, nos dedicamos a ele. Estudei sobre as abelhas e procurei cursos na internet sobre apicultura. Falei para o meu sogro que gostaria de continuar produzindo mel, pois ele já tinha algumas colmeias.

Estudei sobre as nascentes, sobre os pinheiros vindos dos Estados Unidos, sobre as espécies de animais que habitam o sítio. Comprei a câmera de trilha para identificar e observar os bichos e criei mudas de frutíferas para estabelecer um banquete para eles. Queria que o sítio fosse um espaço em que os animais gostassem de estar. Quando via uma mãe veado passeando com seu filhote, me sentia lisonjeada. Estávamos felizes que os lagartos tinham voltado, espécie que vimos desaparecer por um longo período.

Estudei sobre biodigestoras, pesquisei uma receita de sabão que não prejudicasse o sítio quando descartado. Capinei, sozinha, uma área impensável para construir o braseiro. Economizamos tudo o que deu para comprar um carrinho velho que nos levasse ao sítio, porque as viagens pela estrada de chão estavam destruindo nosso carro.

Foi um ano de muito aprendizado. O maior deles veio por último. Temos que nos resignar agora, temos que ser resilientes. Talvez não seja a hora, ainda. Os acontecimentos na vida da gente têm um propósito, então vou enxergar dessa maneira senão vou enlouquecer.

Agora vem o fim de ano, há muita coisa por acontecer, incluindo férias. Vamos descansar, dar tempo ao tempo (dar tempo ao melasma, perseverante com tanta exposição ao sol) e ver o que acontece. Talvez aproveitar para repensar nossos planos e, quem sabe, redesenhar nossa rota.

Tenho muito conteúdo para compartilhar sobre o sítio e talvez eu faça ainda por um tempo. Sobre plantas, sobre algumas descobertas, sobre processos de plantio. Levo comigo e coloco em prática todo aprendizado que adquiri neste ano, para sempre, onde quer que eu vá.

Uma das preciosidades que habitavam o Jardim Botânico.

Os beija-flores se deliciavam com as flores das bromélias do Jardim Botânico. Esta era a primeira primavera que presenciávamos no sítio.

Eu cultivava sementes de cereja do mato para plantar no sítio e alimentar os animais –  e a mim também, adoro!

As nêsperas bebês que venho cuidando desde quando colhi o fruto de uma nespereira, comi e guardei as sementes para germinar. Mais uma opção para a dieta dos bichos que transitam pelo sítio. E pra mim também : D

Momento em que transferi as nêsperas bebês para vasos maiores.

Vimos vários lagartos jovens na última vez que estivemos no sítio.

O registro de um pedacinho do Jardim Botânico. Bem à frente, várias bromélias jovens, seguidas das mais velhas. Ali também aparece o tronco esguio do “guarda-chuva amarelo” e a amarração que fizemos nele para os fortes ventos não o maltratarem.

Um dos dias mais incríveis que vivemos no sítio foi quando dezenas de quatis passaram por nós pelo chão e subiram nas árvores.

Um dos momentos mais aguardados e especiais: o registro do que pode ser um gato-maracajá. É, sem dúvida, de fazer a gente se sentir especial em poder oferecer um ambiente acolhedor para este animal.

Fotos e texto de minha autoria, Juciéli Botton, para a Casa Baunilha.

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