Crônicas,  Vida e Carreira

Comer fora de casa: precisamos nos dar ao respeito

Há muito acompanhava os preparativos para a abertura de um lugar aqui em Porto Alegre que vou chamar de restaurante, embora seja um empreendimento daqueles que reúnem características diversas, de bistrô, bar, lancheria, casa de tapas, set pra foto no Instagram, etc. A estratégia do estabelecimento foi compartilhar, via redes sociais, tudo que já acontecia a portas fechadas, somente para os mais chegados. Se por um lado isso criou expectativas positivas em alguns, por outro, confesso, iniciou um pequeno ranço em mim, como dizem hoje. Mas vamos lá, vamos mostrar um pouco de disposição (mais do que já demonstro?) para com a nossa capital, que tenta ser um lugar para empreender, embora os fatos e seus respectivos números demonstrem o contrário.

Finalmente, o espaço abre para o público e sem nem precisar me deslocar, chega até mim a informação de que quatro petit brusquetas custavam mais de 40 reais. No palavreado da minha avó materna, petit seria traduzido para cachochinha, aquela porçãozinha minguada que não tapa nem o buraco do dente. Então, quatro cachochinhas subtrairiam quarenta e mais alguns reais da sua, da minha, da nossa carteira. E isso seria só a entrada.

Sabe, adoro comer fora. Sempre gostei. Daí, quando passei a cozinhar mais e a preparar a minha comida, comecei a sair menos. Quem tem esse costume começa a perceber que devíamos pagar, e caro, para comer na nossa própria casa. Escolhemos os ingredientes, de primeira, controlamos a quantidade de gordura, sal e açúcar, e a de comida também. Não há cachochinhas em casa. As porções são generosas porque, afinal de contas, é feito em casa. Mais do melhor não fará mal. Adoro criar hambúrguer e outros lanches na minha cozinha. E, de quebra, não há chance para atendimentos desrespeitosos.

E quanto mais cozinho, mais crítica fico com o que nos oferecem fora de casa. A comida é algo muito íntimo nosso, se formos pensar. O ser humano precisa se alimentar e é onde reside mais fortemente a nossa relação umbilical com a terra. Comer é dos atos mais primitivos que existem. E transformar a comida em algo inatingível, distante, homeopático, restrito, não me parece nenhum pouco respeitoso para com a gente, a vida e a natureza, que tão generosamente produz alimentos maravilhosos para todos.

Esses tempos, com muito sacrifício, convenci meu marido, que ama cozinhar, a sair para comer hambúrguer em um lugar relativamente novo em Porto Alegre. Era 35 reais. Pedimos, esperamos e, quando a atendente se aproximou da nossa mesa e um hambúrguer de diâmetro igual ao de um cookie se materializou na minha frente, pensei: “Quem essa gente pensa que a gente é? Como assim? Tá tudo errado isso. Eu preciso me dar ao respeito”. Não vou nem entrar no detalhe de que o meu pedido veio errado e que um pedacinho da parte verde da esponja lava-louças veio sobre uma das batatas rústicas que acompanhavam.

Odiei. Me odiei.

Sem pensar duas vezes, prefiro indicar a um recém chegado à capital gaúcha um Xis de boteco de rua que custará 14 reais, grande e bem recheado, do que cachochinhas caras de um lugar sabe-se-lá-por-que-está-bombando.

Não é uma questão apenas de dinheiro, minha gente, mas de não enxergar valor! Não vejo valia nisso. Há pouco indiquei um buffet em Novo Hamburgo incrível, tanto a comida quanto o atendimento, cujo preço é totalmente convidativo. Assim como o restaurante que indiquei em Santa Maria do Herval, na Serra Gaúcha. Muito bom e mais barato ainda. Comida honesta que tenho vontade de divulgar, de indicar e para onde quero voltar sempre. Mais recentemente, indiquei, dentre vários lugares bons e baratos, um hambúrguer em São Paulo do tamanho da nossa fome (muita) e que não chega a 30 reais. Além de tantos outros lugares respeitáveis que listei na postagem especial sobre onde comer em Porto Alegre.

Há tempos li um artigo sobre Barcelona em que a moradora dizia, com um toque de sarcasmo, para as pessoas não irem mais lá. O turismo extensivo estaria acabando com os lugares pitorescos que formam boa parte do patrimônio cultural da cidade e que sempre encantaram tanto moradores quanto turistas. Por exemplo: aquela avó espanhola que comanda um pequeno e humilde restaurante, que nasceu com a mão para fazer comida, detentora de um tempero único é substituída por uma Starbucks. E a história se repete com muitos outros endereços valiosos, extinguidos para dar lugar a mais uma loja de fast food ou fast fashion existente em qualquer lugar do mundo. Dá para acreditar que as pessoas viajam para comerem nas mesmas redes de restaurantes?

Eu cada vez mais respeito quem faz comida de verdade, que alimenta, sacia e honra os ingredientes e os clientes. Mesmo que estejamos em uma cidade tida como cara, no fundo, no fundo, levantando os lugares que estão nos holofotes das fotos filtradas e olhando embaixo, há uma população inteira de gente que trabalha e dá duro para servir pessoas com o melhor, em uma relação honesta de custo-benefício, de respeito aos clientes. Eu aplaudo essa gente, valorizo e, se precisar voltar a eles para garantir que continuem vivos e criando, então assim será.

 

Foto e texto: Juciéli Botton para Casa Baunilha

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