• Crônicas,  Vida e Carreira

    Reflexões a partir da exposição Digo de onde venho, de Mariza Carpes, no MARGS

    Sou diretora de arte publicitária, trabalho com design gráfico e também faço cerâmica. Para mim, a questão visual pesa muito, seja de um cachorro-quente ou de um filme. Pois o primeiro impacto que tive quando adentrei a exposição Digo de onde venho, de Mariza Carpes, foi o quão bonito e coerente estava o espaço, ou melhor, os espaços, pois a obra ocupa duas salas do MARGS. As cores escolhidas são muito agradáveis e sóbrias, a iluminação aconchegante e as centenas de itens eram organizadas magistralmente. Adoro exposições de arte que me fazem querer ficar por ali um bom tempo ou, ainda, perder a noção do tempo.

    Perceber a estética visual ao redor aconteceu em um milésimo de segundo, seguido de um outro milésimo de segundo de “olha todos esses objetos, parece a minha casa!”.

    Nesse momento, queria muito abraçar Mariza, dizer a ela “obrigada, você me entende”. E para você entender porque senti isso, precisamos entender a exposição de Mariza.

  • Crônicas,  Vida e Carreira

    Eu só queria um ventilador retrô

    Finalmente compramos um ar condicionado. Planejávamos como encobrir os fios e a tubulação enquanto deitados, no escuro, com dificuldade para pegar no sono. Concluímos que numa noite como aquela, de temperatura amena, não ligaríamos o aparelho novo, ficando somente com o ventilador ligado, como estávamos naquela madrugada.

    Disse que, se fosse ter um uso moderado, então compraria um ventilador daqueles de estilo retrô. O que me fez lembrar da diferença entre retrô e vintage, que o retrô são peças feitas hoje que queriam ser como as do passado, e que o vintage são as próprias peças do passado. O que me fez lembrar da época dos anos 1980 e 1990, que me são muito especiais e que, na minha cabeça, estão há poucos anos de distância, até me dar conta que houve todo o ano 2000 e que o 2010 também já se esfarelou.

    O que me fez pensar que um dia será 2080. E que pessoas nascidas em 2085 crescerão, e que quando atingirem uns 30 anos, lembrarão das brincadeiras da infância e das roupas escalafobéticas que usavam e que o mais bizarro, inclusive, era que estas mesmas roupas tinham voltado à moda. Então a pessoa começaria o papo assim: lembra daquele brinquedo dos anos 80?, ao que seu interlocutor jamais responderia: que anos 80? os dos 1980 ou os dos 2080? Ele automaticamente saberia que estavam falando dos anos 2080.

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    Você é a sua melhor versão quando viaja?

    Li esta frase em um texto da Gaía Passarelli que, por sua vez, ouviu de um escritor de viagens: você é a sua melhor versão quando viaja? E ficou ecoando em mim. Nunca tinha pensado sobre isso. Simplesmente viajava.

    Então, passei a refletir sobre. Percebi que a questão toda já começa no fazer as malas. Fazemos as malas querendo ser outra pessoa. A Ellen DeGeneres, em seu último stand up, Relatable, do Netflix, falou em “uma personalidade fantasiosa que temos quando viajamos”. Uma pessoa que lê três livros em menos de uma semana, por exemplo. Quem nunca? Já levei quilos de leitura de que não senti nem o cheiro. A fantasia contagia até o jeito de nos vestirmos. Já montei mala para uma Juciéli muito a fim de usar um macacão como nunca antes visto. Já organizei nécessaire recheada de artefatos para prender um cabelo que é dono de si e que está sempre ao sabor do vento e da poluição. Não duro muito tempo com meu cabelo preso e ajeitado. Preciso passar a mão nos fios e transferir tudo que a vida depositou nela nas últimas horas.

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    4 hábitos que pratiquei em 2019 que seguirão para além de 2020

    Aqui seguem quatro ações que já estão completamente inseridas na minha vida, que tomaram força em 2019 e que provavelmente continuarão fazendo todo o sentido mais para frente. De cabelo à política, de leitura à camiseta do índio que já anda sozinha.

     

    1. Parei com as mechas

    Longe de mim julgar, sob a experiência dos meus trinta e quatro anos, uma escolha feita aos vinte. Seria uma injustiça total mas a justificativa para fazer mechas no cabelo era a de iluminar, tirá-lo da mesmice. Tanto é que nunca me considerei loira, uma vez que apenas “dava uma iluminada nos fios”. Meu cabelo era bem mais jovem, bem mais hidratado e eu ainda descoloria apenas uma vez ao ano. Então o resultado era ótimo, similar ao natural. Só que há tempos meu cabelo não recebe muito bem o processo da descoloração e há algum tempo venho me questionando por que insistia em clarear. E se meu cabelo já não se anima mais com uma iluminada, de minha parte não há vontade, nem tempo

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    Linda é a mãe

     

    Faz tanto tempo que quero escrever sobre isso. Desde os meus, talvez, sete anos. Pois é, eu sei, uma menina, no início dos anos noventa, não pensaria que precisa exorcizar um problema escrevendo publicamente sobre ele. Mas digamos que sim porque na tenra idade eu já me sentia muito incomodada com isso.

    Era a festa do meu aniversário e meu pai tinha uma filmadora portátil que generosamente me deixava manusear. Lá pelas tantas, tive a brilhante – e, mais tarde, revelando-se fatídica – ideia de pedir aos convidados que dissessem uma mensagem à aniversariante, gravada por mim, claro.

    O primeiro convidado disse que eu era uma menina muito linda. O segundo falou da minha beleza. O terceiro contou que me achava muito bonita. O quarto: “ela é linda”. E assim por diante.

    Visualizem uma criança, um ser com ralos conhecimentos de vida, entristecida com elogios como esses, uníssonos, a ponto de uma adulta nunca ter esquecido. As crianças percebem e sentem, sim. E algumas experiências conseguem se perpetuar nas caixas pretas do nosso inconsciente porque também são reforçadas por novas, reunindo e calcificando as tristezas por semelhança.

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    Quanto os comentários negativos nas redes influenciam as tuas escolhas?

    Isso deve acontecer com muitos de vocês também: estabelecer uma relação com um lugar antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente. Assim aconteceu com o Z Deli. Assistimos a um programa em que o dono da rede não somente explicou sobre a origem do negócio como também mostrou como era feito o famoso pastrami. Ali teve início uma relação com o restaurante que o fez entrar para a nossa lista de lugares onde queríamos comer em São Paulo.

    Pois já na cidade, procurando pelo endereço para nos programarmos para sair, vimos vários comentários negativos sobre o estabelecimento. Vários não, muitos. Que o ponto da carne vinha errado, que o atendimento não era legal, entre vários outros aspectos. Confesso que ficamos balançados pois não é um lanche que sairia por dez pilas. É um bom dinheiro investido numa refeição e ninguém quer jogar dinheiro fora. Ficou um clima de desistência no ar até que batemos o martelo: não tínhamos idealizado uma refeição e chegado até Sampa para desistirmos. Decidimos que atestaríamos por nós mesmos qual era dessa experiência. E foi maravilhosa. Não sei pra vocês mas, pra mim, considerar bom um restaurante não depende somente da comida em si mas, também, da experiência como um todo.

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    2 filmes que valem a pena e 1 que não

    Este post contém spoiler. Claro. Não há como ser crítico sem revelar alguns pormenores. Assisti a três filmes nos últimos tempos e gostaria de recomendar dois deles. E se me dá alegria sugerir coisas boas, igualmente me alegra alertar sobre as que não valem a pena o investimento. A foto é do filme Dor e Glória.

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    Comer fora de casa: precisamos nos dar ao respeito

    Há muito acompanhava os preparativos para a abertura de um lugar aqui em Porto Alegre que vou chamar de restaurante, embora seja um empreendimento daqueles que reúnem características diversas, de bistrô, bar, lancheria, casa de tapas, set pra foto no Instagram, etc. A estratégia do estabelecimento foi compartilhar, via redes sociais, tudo que já acontecia a portas fechadas, somente para os mais chegados. Se por um lado isso criou expectativas positivas em alguns, por outro, confesso, iniciou um pequeno ranço em mim, como dizem hoje. Mas vamos lá, vamos mostrar um pouco de disposição (mais do que já demonstro?) para com a nossa capital, que tenta ser um lugar para empreender, embora os fatos e seus respectivos números demonstrem o contrário.

    Finalmente, o espaço abre para o público e sem nem precisar me deslocar, chega até mim a informação de que quatro petit brusquetas custavam mais de 40 reais. No palavreado da minha avó materna, petit seria traduzido para cachochinha, aquela porçãozinha minguada que não tapa nem o buraco do dente. Então, quatro cachochinhas subtrairiam quarenta e mais alguns reais da sua, da minha, da nossa carteira. E isso seria só a entrada.

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    Quem se comunica se complica

     

    Sou só eu ou vocês também não estão conseguindo se fazer entender? Às vezes tenho a sensação de que estamos em uma grande festa com música no volume máximo, em que um fala “Eu acho que o Clint Eastwood devia ter sido indicado ao Oscar” e o outro responde “Pois é, eu preferia o Bial apresentando”. O que se passa? O que eu perdi?

    Tenho certeza absoluta que, no ano de 1923, nenhuma pessoa reclamava do sistema de comunicação. Nenhuma. Eu garanto. Coloco a minha mão no fogo. A galera em 1923 marcando rolê via pombo correio, super feliz, e eu aqui, bem servida de tecnologia, apps e jogando a toalha já. É como estava escrito em um meme: nessas horas eu queria que a Terra fosse plana para eu poder pular da borda.

    Sério, o que está acontecendo? Gente que me conhece parece não saber mais quando estou brincando. Ainda mais agora que qualquer assunto se tornou politizado. Se você está descontente com alguma coisa, com o preço da batata, por exemplo, e comenta sobre isso, recebe uma resposta embalada pelo sentimento guardado da chinelada que a pessoa levou em 1980 do pai. Ou, eu posto sobre o vidro do meu carro quebrado por vândalos e as pessoas comentam “Linda”. Sério, vamos voltar à aula do ensino fundamental sobre interpretação de texto, a capacidade de compreender do que o outro está falando.

    O fato é que, no mundo da comunicação, ela não é o que você diz mas, sim, o que os outros entendem. E do jeito que a coisa vai, com as pessoas respondendo a outras doze ao mesmo tempo, enquanto curtem trinta e cinco fotos simultaneamente, no mesmo segundo em que dizem para o motorista “Pode ir pela Getúlio”, não vejo um futuro bonito à frente. E diante desse cenário, tenho duas alternativas: ou eu tento me comunicar com as pessoas ou eu fico em paz com elas. Já percebi que querer as duas coisas é muita ganância.

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    Um produto é um produto. Sobre carnaval, consumo e consciência

     

    Uma amiga estava decepcionada porque “teria de poluir” o planeta para pular o carnaval brilhosa, pois os glitters ecológicos estão muito caros. Ela tinha pesquisado e, avaliando as poucas ofertas no mercado, não conseguiria bancar. Daí, tentando consolar minha amiga, eu disse “tudo bem, tu vai usar um pouquinho só, tem gente que praticamente se deita em banheira de glitter antes de sair de casa. E também tem outra”, segui dizendo, “tu tem tantas atitudes não poluentes que eu sei que tu faz. Elas só não estão registadas e disseminadas no Instagram, só isso”. O que fez ela se dar conta que nunca foi uma pessoa do glitter efetivamente. Ela sempre preferiu colocar uma fantasia e caprichar na maquiagem. E só começou a cogitar usar o produto depois de ficar exposta a tantas imagens lindas de foliões felizes, cobertos com glitter ecofriendly.

    Então, a partir disso, comecei a pensar que uma parte do movimento lixo zero vem atrelada, sim, ao consumo. A indústria do lixo zero way of life atua da mesma forma que a indústria tradicional, fazendo a gente consumir esses produtos para nos sentirmos parte, nos fazendo achar que estamos por fora se não temos, nos induzindo à compra de produtos que talvez não consumíssemos nem na versão tradicional. A indústria de um modo geral, seja ela de que bandeira for, trabalha com o desejo das pessoas, com o status social, com o sentimento de pertencimento.

    Prova disso é que há uma série de atitudes amigas do planeta que não são louvadas porque não estão atreladas a produtos. Pessoas que optam por não ter filhos – seja lá pelo motivo que for e só cabe a elas – e que, por consequência, não estão poluindo nem extraindo recursos do planeta, não são ovacionadas, postadas, entrevistadas, vestidas por grandes estilistas e premiadas porque não há produtos atrelados a elas. Não existe Ei, você, que não tem filhos, compre o maravilhoso…”. Não há.

    Outro exemplo: pessoas que não usam qualquer tipo de canudo também não são destaque nas mídias. Porque bom para o planeta, mesmo, é não comprar o de plástico, nem o de vidro, nem o de inox, nem o de papel. O legal é não consumir. Os canudos de vidro, de inox e de papel precisam